Veja - 26/11/2012 |
Como diz o ditado, não adianta chorar pelo leite derramado. Será ruim qualquer saída para o imbróglio da distribuição dos royalties do petróleo aprovada pelo Congresso. O melhor a esta altura seria vetar o projeto e conduzir uma negociação política competente, capaz de reduzir as distorções. Não dá para esperar que o STF considere a medida inconstitucional. O começo da comédia de erros foi a mudança da Lei do Petróleo no governo Lula, por motivos ideológicos. Na prática, buscou-se restaurar o monopólio da Petrobrás, agora na exploração do pré-sal. Quanto aos recursos, o governo ignorou a velha lógica do Congresso: se há dinheiro, vamos gastar; parlamentar bom é o que consegue verbas para seu estado e municípios. É difícil mudar essa cultura. A reeleição da considerável maioria depende disso. O orçamento é pouco valorizado no Brasil. Até os anos 30, ele era usado para inserir emendas destinadas a dar nome a ruas, promover servidores públicos e coisas do gênero. Para coibir essas esquisitices, a Constituição de 1934 criou uma regra óbvia: o orçamento trata apenas da receita e da despesa (art. 50. § 3º). A regra sobrevive na atual Constituição (artigo 165. § 8º). A inconsequência na aprovação de emendas levou o regime militar a proibir as que aumentassem ou alterassem a despesa (Constituição de 1967, art. 67. § 1º). Com limitações, a Constituição de 1988 restabeleceu as prerrogativas do Congresso para emendar o orçamento (art. 166. § 3º). Antes, a distensão política do regime militar fora usada para ampliar os fundos de participação dos estados e municípios, de 20% do imposto de renda e do IPI para 24%, em 1980, e 28%, em 1983. Na retomada da democracia, subiu para 33%, em 1985, e na Constituição de 1988, para 47%. Mais 10% do IPI foi transferido aos estados para compensá-los por supostos incentivos às exportações. Para evitar o pior, a União teve de recorrer a contribuições não partilháveis com os governos subnacionais. O sistema tributário piorou. Essa tendência foi reforçada por estudos que mostravam a concentração de receitas na União. Era verdade, mas não se examinaram as razões, isto é, a estrutura da despesa. Na verdade, a concentração se explica, na maior parte, pela responsabilidade historicamente atribuída à União por certas despesas: previdência, defesa, regulação e vinculação de receitas a despesas com educação e saúde. Com os juros da dívida e os gastos de pessoal, elas consomem mais de 90% da arrecadação. Transferir receitas sem transferir despesas força a União a elevar os tributos. O governo Lula desprezou essa realidade. Cuidou apenas de estatizar a exploração do pré-sal e de criar reserva de mercado para a indústria nacional. Não deveria ter se surpreendido quando dois parlamentares gaúchos mobilizaram facilmente o Congresso para aprovar a destinação aos estados e municípios de parcela dos recursos do petróleo do pré-sal, em detrimento dos estados produtores. A maior parte depende ainda da exploração de futuros poços. Lula vetou o projeto, mas não se preocupou em negociar uma saída honrosa para todos. Por sua vez, a presidente Dilma não percebeu que, nessa matéria, desaparecem divisões políticas, partidárias, ideológicas ou regionais. Mais dinheiro para estados e municípios aglutina todas as tendências. Tem o apoio de empresários e formadores de opinião locais. A coalizão é imbatível. A comédia de erros atrasará a exploração do pré-sal, criará sérios problemas para os estados produtores e contribuirá para a pulverização de receitas e para seu desperdício em gastos correntes. O dinheiro público proveniente da exploração de recursos naturais não renováveis não pertence apenas à atual geração. Veja-se o exemplo da Noruega. Lá, os recursos do petróleo constituem um fundo para as gerações futuras, do qual se gastam apenas os rendimentos das aplicações. O veto ao projeto seria justificado pela conveniência de negociar algo na linha norueguesa. É politicamente impossível, todavia, não contemplar as regiões não produtoras de petróleo, que já comemoraram a festa. Um bom pedaço dessa riqueza vai para o buraco negro da gastança. Uma pena! |
O Rio MERVAL GLOBO - 25/11
Dois acontecimentos correlatos colocam em discussão a questão dos royalties do petróleo. Amanhã, o governo do Estado do Rio, com o apoio do governo do Espírito Santo, — os maiores estados produtores — organiza uma passeata que partirá da Candelária, no Rio, para pedir que a presidente Dilma vete o projeto de lei aprovado no Congresso sobre a distribuição dos royalties do petróleo que, além de alterar as disposições previstas na Constituição, mexem também em contratos já existentes nos campos licitados pelo sistema de concessão, mesmo nos do pré-sal.O primeiro prejuízo dos estados produtores foi na mudança do sistema de concessão para o de partilha; o fim das participações especiais, que resultaram em 2010 em um ganho aproximado de R$ 6 bilhões para eles, montante que passou a ser um ganho adicional da União. Além disso, houve a criação da Participação da Partilha de Produção, que será totalmente apropriada pela União.
O governador Renato Casagrande, do Espírito Santo, acredita que a presidente Dilma vetará o novo projeto, não apenas porque já se declarou favorável à manutenção da situação atual para os campos licitados, mas também porque o projeto foi aprovado com um erro técnico na nova distribuição que excede em 1% a totalidade dos royalties.
O governador do Rio, Sérgio Cabral, já avisou que o estado não tem como realizar a Copa do Mundo e as Olimpíadas com o prejuízo que terá com a nova distribuição dos royalties. Se nada for feito, a disputa acabará no STF e todos sairão perdendo.
Ao mesmo tempo, está sendo lançado pela editora Elsevier o livro "Petróleo: reforma e contrarreforma do setor petrolífero brasileiro", organizado pelos economistas Fabio Giambiagi e Luiz Paulo Vellozo Lucas, que trata das consequências da mudança do regime de concessão para o de partilha realizada pelo governo Lula, que tantos problemas está causando, sobretudo à Petrobras, e que possibilitou essa tentativa de alteração das regras da distribuição dos royalties. Escrevi a "orelha" do livro, que tem o seguinte teor:
"A mudança das regras de exploração do petróleo ocorrida em 2010 obedeceu mais a interesses políticos do governo Lula do que a necessidades econômicas, e veio apenas para aumentar o controle do Estado sobre um tesouro presumido, provocando a disputa entre os estados acerca dos royalties futuros. Assim pode ser resumido este livro, que traz a questão a debate no momento ideal, em que os problemas da politização da Petrobras revelam consequências graves e a necessidade de mudança de rumos.
A cobiça atiçada pelo próprio governo, ao mudar um marco regulatório que até então vinha dado bons resultados — tendo sido inclusive o responsável pela descoberta de campos do pré-sal — gerou uma crise política entre os estados da Federação que impediu até agora que a questão dos royalties fosse resolvida.
O discurso ideológico do governo, quando mudou o regime de exploração em 2010, defendia a ideia de que era preciso aumentar o controle estatal nas jazidas de pré-sal, para que nosso tesouro do pré-sal não fosse controlado por investidores privados — especialmente os estrangeiros.
O governo, enfim, fez "bravata nacionalista" com o tema do pré-sal. Além do mais, a criação de mais uma estatal no país reforçou a ideia do "Estado forte" que tanto entusiasma os setores mais ideológicos do PT. O fato de a Petrobras vir a ser a única operadora do pré-sal pode prejudicar seu desenvolvimento tecnológico.
A falta de competitividade é o grande fator negativo dessa exclusividade. Esta pode vir a se revelar, para o setor, o que a reserva de mercado significou para nossa indústria de computadores, adverte o livro. A necessidade de garantir os investimentos novos no pré-sal, além dos já existentes, combinada com a regulação dos preços praticada pelo governo, faz a Petrobras ter problemas financeiros e perder valor acionário.
Quando, anos atrás, imitando Getúlio Vargas, Lula anunciou, com as mãos sujas de óleo e grande pompa, a autossuficiência do petróleo, ele a rigor apenas vendeu uma ilusão, trazendo para valor presente uma riqueza futura incerta, com o objetivo de usufruir ganhos políticos.
Agora, já na metade do governo Dilma, os equívocos da mudança de 2010 começam a se tornar evidentes. Este livro é a denúncia desses equívocos".