O Estado de S.Paulo - 26/09
A determinada altura da sessão desta segunda-feira o revisor Ricardo Lewandowski justificou assim o voto pela condenação de três réus por formação de quadrilha: "Era um mecanismo permanentemente em funcionamento. Isso caracteriza a quadrilha, e esses crimes eram praticados à medida da necessidade demonstrada pelos parlamentares que se deixaram corromper".
Portanto, se alguém se deixou corromper, houve também o agente corruptor e um motivo para corrupção.
A forma da prova, entretanto, continua em debate. A manifestação majoritária dos ministros em relação ao crime de corrupção passiva em "fatia" anterior do julgamento do mensalão provoca revolta aqui e ali.
Advogados de defesa, políticos e agora até um grupo de intelectuais, artistas e acadêmicos alegam que o Supremo Tribunal Federal está inovando. Invocam o julgamento que absolveu Fernando Collor de Mello em 1994, reivindicando tratamento semelhante.
O próprio Lewandowski qualificou de "heterodoxo" o entendimento preponderante no tribunal e justificou a absolvição de João Paulo Cunha do crime de corrupção passiva dizendo que havia se baseado na jurisprudência da ação penal 307, a do caso Collor.
Na essência da lei o STF não está criando nada. A condenação de Cunha decorreu do artigo 317 do Código Penal, cuja definição do ilícito é a mesma: "Solicitar ou receber, para si ou outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, mas em razão dela, vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem".
O único dos atuais ministros a participar do julgamento de Collor, Celso de Mello, na época apontou a exigência de "precisa identificação de um ato de ofício" na esfera das atribuições do presidente, para que se caracterizasse a corrupção.
Justamente o que a Procuradoria-Geral da República não conseguiu demonstrar na ocasião: a denúncia não descreveu uma parte do crime, não apontou que interesses as pessoas que deram dinheiro ao operador de Collor, Paulo César Farias, teriam nos atos do presidente.
E, naquele voto em 94, Celso de Mello falou também sobre a necessidade de haver "uma relação entre a conduta do agente que solicita, recebe ou aceita a promessa de vantagem indevida e a prática, que pode até não ocorrer, de um ato determinado de ofício".
E o que demonstra a denúncia ora em exame? Exatamente a existência de uma relação de trocas indevidas entre parlamentares, partidos e um governo mediante práticas ilegais.
Ou seja, o Supremo não inventa. Os casos é que são diferentes.
Conceito de ética. Quando deixou a presidência da Comissão de Ética Pública em fevereiro de 2008, três meses antes do fim do mandato, Marcílio Marques Moreira disse o seguinte: "Não temos nenhuma força, não temos nenhuma tropa, temos apenas a nossa consciência e a nossa autoridade moral".
Autoridade solapada pelo então presidente Luiz Inácio da Silva ao ignorar por diversas vezes a recomendação de que Carlos Lupi optasse entre o Ministério do Trabalho e a presidência do PDT pelo evidente conflito de interesses entre as duas funções.
Quando renunciou na segunda-feira à presidência da Comissão de Ética Pública um ano antes do fim do mandato, Sepúlveda Pertence nem precisou repetir as palavras de Marcílio para que deixasse perfeitamente entendida a razão de sua saída.
Demolição de autoridade moral.
Desta vez pela presidente Dilma Rousseff, que resolveu retaliar contra dois conselheiros que cobravam mais duramente explicações do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, a respeito de contratos de consultoria cujos serviços não foram comprovados.