sexta-feira, julho 27, 2012

Mais perto da autonomia -Gilles Lapouge

 - O Estado de S.Paulo
O drama da Síria é uma questão que diz respeito a todos seus vizinhos. O que está acontecendo em Alepo ou em Damasco é como um barril de pólvora, colocado num galpão repleto de materiais inflamáveis, que, a qualquer momento, pode desencadear novos incêndios. O Hezbollah no Líbano, Israel, a Faixa de Gaza, o Líbano, a Turquia todos eles estão "no olho do ciclone". Todos eles podem pegar fogo com as fagulhas vindas da Síria.

Na Síria, a minoria mais importante, a dos curdos (2 milhões de pessoas que representam 10% da população do país) está agitada. Os curdos sírios vivem no norte da Síria, nas bordas da fronteira que a separa da Turquia. Eles aproveitaram os tumultos para avançar, sem estardalhaço, nesse território que margeia a Turquia, tomando o destino nas próprias mãos. Vários distritos já são administrados pelos curdos, sem arrogância, sem violência.
A prudência do partido curdo sírio, o PYD, é compreensível. A questão curda começou a despontar há pelo menos 100 anos, ou mesmo há 2.500. É um povo muito antigo, indo-europeu e não árabe, uma "nação sem Estado", pois os curdos estão fragmentados entre quatro Estados: a Turquia principalmente, o Irã e o Iraque, e a Síria. O sonho de todos esses curdos é um Estado curdo, o Curdistão, no qual os quatro pedaços se juntariam. Mas os países onde residem não estão dispostos a cumprir seus desejos. Principalmente porque as regiões curdas são ricas em água e em petróleo.
Enquanto isso, em toda parte, as populações curdas sofrem discriminação (a língua curda é perseguida, os partidos curdos são vigiados). A nação curda continua dividida. É uma miragem, um fantasma que assombra os sonhos dos curdos sírios, turcos, iraquianos ou iranianos. Esses sonhos são violentos e veneráveis. Os curdos originaram-se na antiguidade da História da Europa e reverenciam suas mitologias. No tempo dos gregos eram conhecidos como Medos. O escritor grego Xenofonte, em sua obra Anábase, fala deles com reverência e angústia. "São guerreiros ferozes", explica.
O despertar dos curdos sírios, no caos atual, comporta graves perigos.
Principalmente pelo fato de que a minoria curda síria, que há alguns dias assumiu o controle de algumas cidades, encontra-se na fronteira com a Turquia. Ocorre que a Turquia é muito hostil à Síria de Bashar Assad, principalmente desde que os sírios abateram um avião turco em 22 de junho. E como a Turquia vive com medo de que a sua "minoria" curda, caracterizada pelo Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), comece a se agitar e estabeleça sua ligação com os curdos sírios, Ancara está com o dedo no gatilho.
Na quarta-feira, o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, pronunciou um discurso ameaçador na TV. Ele disse que os curdos da Síria estenderam seu poder, não muito longe da Turquia, com a cumplicidade de Bashar Assad, e esse "é um gesto de Damasco dirigido contra a Turquia".
À pergunta se a Turquia poderia reagir imediatamente contra os rebeldes curdos além da fronteira síria, caso eles ameacem uma ação em território turco, Erdogan respondeu: "Isso nem se discute".
E lembrou das ações que o Exército turco realiza às vezes no território dos curdos no Iraque. E disse: "É o que fazemos e continuaremos fazendo no Iraque. Se lançamos de tempos em tempos ataques aéreos contra as zonas dos terroristas, é porque precisamos nos defender".
* É CORRESPONDENTE EM PARIS