O Globo - 31/07/2012 |
"Sai Paraguai, entra Venezuela. Foi impúdico!" - as palavras são do ex-presidente do Uruguai Luis Alberto Lacalle, e seguramente interpretam o sentimento de muitos que viram, surpreendidos, como, depois de suspender os paraguaios do Mercosul, os presidentes do bloco incorporavam alegremente os venezuelanos.
É verdade, os venezuelanos têm petróleo e uma economia maior que a paraguaia. Podem oferecer melhores negócios, neste momento em que caem as exportações do eixo Brasil-Argentina, para tentar mostrar que o Mercosul não está morto. Talvez por isso, o componente político - melhor, ideológico - agora é tão importante. Muito mais que o aspecto comercial que deu origem ao acordo, em 1991, e é causa permanente de conflitos entre os dois maiores sócios.
Que o Mercosul está em crise, já não cabe dúvida. E é muito mais profunda, creio, que a que sofre a democracia paraguaia - onde, depois de tudo, em abril do próximo ano vai-se às urnas para escolher um novo presidente.
"Já não existe união aduaneira nem área de livre comércio no Mercosul. Ele está se deteriorando, e se dissolverá progressivamente. A Argentina é um problema permanente, e não creio que a paciência estratégica do Brasil possa ser mantida" - isto me disse há pouco tempo, em São Paulo, um assessor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. E, há uns dias, Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), sentenciou: "A Argentina será a responsável pelo fim do Mercosul."
Tal como vejo as coisas, a Argentina não é a única culpável: o Brasil tem, também, bastante responsabilidade na agonia do Mercosul.
O protecionismo brasileiro é tão amplo quanto o argentino. Cada vez que pode, alguma das partes tenta modificar a Tarifa Externa Comum (TEC), cujas taxas vão de zero a 20% para 9.782 produtos, mas as exceções com tarifas mais altas se acumulam em uma lista crescente.
Em Mendoza, Argentina, na mesma cúpula presidencial em que suspenderam o Paraguai (final do mês passado), o governo argentino tratou de aumentar a Tarifa Externa Comum até 35%, o máximo permitido pela Organização Mundial do Comércio.
O Brasil se opôs, mas, claro, não por amor ao livre comércio, e sim por conveniência, e aceitou que a lista de 100 produtos nos quais cada país pode aumentar arbitrariamente a tarifa fosse ampliada para 200 produtos.
O Uruguai não gostou muito disso, mas o sócio menor não tem opção de reclamar.
Se há uma área na qual as disputas entre Brasil e Argentina já são históricas é no setor automotivo, e as mais recentes travas que impôs a Argentina fizeram aumentar a temperatura da discussão em Mendoza. Reconheceram que se deve "redesenhar a política comum do setor automotivo nos próximos anos".
Equivale a uma confissão. Mas, a meu juízo, se procura soluções no lugar errado: aplicam mais restrições, em vez de eliminá-las.
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