Correio Braziliense - 04/06/2012 |
Em outra circunstância, o encontro de hoje entre a presidente Dilma Rousseff e o rei da Espanha, Juan Carlos I, teria tudo para celebrar um novo período de avanço nas relações econômicas entre os dois países. No entanto, quando o assunto for economia, os dois mandatários não deverão ter tanto o que comemorar, assim como os empresários espanhóis que assinarão com seus pares brasileiros, na Confederação Nacional da Indústria (CNI), um acordo para criar uma comissão destinada a promover negócios entre os dois lados. A Espanha, que já experimentou até recentemente um período de rápido desenvolvimento, iniciado nas últimas décadas do século passado, depois da queda do franquismo—e o rei Juan Carlos teve papel fundamental na transição para apara a democracia—foi definitivamente engolfada pela turbulência européia. Enfrentando sua segunda recessãoemmenos de três anos e à beira de uma crise bancária, o país sofre com a mais alta taxa de desemprego da Europa—24,3% da força de trabalho, ante os 21,7% da praticamente falida Grécia, e tem metade dos jovens de até 25 anos sem perspectiva de encontrar uma colocação no mercado. Acossado pela rápida deterioração econômica, o primeiro ministro Mariano Rajoy defendeu, no sábado, a criação de uma autoridade supranacional para administrar as dívidas dos Estados-membros. A ausência de uma coordenação fiscal entre os 17 países que adotaram o euro já foi identificada há muito tempo pelos economistas como um dos motivos pelo qual a moeda, com pouco mais de 10 anos de vida, já está com sua sobrevivência ameaçada. Encampada por um dirigente governamental deumpaís importante, contudo, a ideia ganha outros contornos. Crise aguda Politicamente, a proposta exige que cada país abra mão de parte de sua soberania em favor de um organismo sediado em Bruxelas, sede da imensa burocracia da União Europeia e, por isso, não é fácil de ser digerida. Mesmo que os eleitores europeus a aceitem, não há tempo para esperar que ela se concretize. A crise está se tornando mais aguda e requer medidas urgentes. Apenas nos três primeiros meses de 2012, bancos espanhóis perderam quase 100 bilhões de euros em depósitos, quase o mesmo valor da fuga registrada em todo o ano passado. Tendo que apagar o incêndio dentro de casa, as empresas espanholas cortaram o fluxo de recursos para o exterior, e o Brasil também se ressente disso. De janeiro a abril, os investimentos diretos da Espanha na economia brasileira somaram apenas US$ 739 milhões, montante 84% mais baixo do que no mesmo período de 2011. As dificuldades provocaram até rumores— desmentidos oficialmente—de que oBanco Santander estaria negociando a venda da filial brasileira, quinta maior instituição financeira do país. Complicação O Brasil, que em outros momentos se vangloriou de passar ao largo das turbulências da economia global, agora não tem como vender a ideia de que está imune. Não são apenas os espanhóis que estão deixando de investir no país e, a julgar pela alta de apenas 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB)no primeiro trimestre e pelas mais recentes previsões de um grande número de economistas, a presidente Dilma Rousseff está caminhando para completar a metade de seu mandato — a menos que a economia mostre reação vigorosa no segundo semestre, como aposta o ministro da Fazenda, Guido Mantega—com taxa média de crescimento muito abaixo dos 4,1% obtidos pelo seu padrinho político e antecessor, o ex-presidente Lula, e bem mais próxima dos modestos 2,3% do adversário político Fernando Henrique Cardoso, que também enfrentou crises em seu tempo. O cenário externo pode ajudar a entender.Mas, politicamente, não deixa de ser uma complicação. Medidas O mais preocupante nos dados divulgados pelo IBGE foi a queda de 1,8% na taxa de investimento em relação ao último trimestre do ano passado. É sinal de que, mesmo que se estimule ainda mais o crédito e o consumo, será difícil fazer a economia decolar tão cedo. Por isso, a presidente determinou à equipe econômica que estude medidas para despertar o ânimo dos empresários e o ministro da Fazenda acenou com incentivos tributários para reduzir o custo de produção, com o objetivo de convencê-los a investir em ampliação da capacidade produtiva e em novos projetos. O xis da questão é que os empresários estão apreensivos com o que ainda pode vir pela frente. Embora o consumo doméstico continue em patamar elevado, o agravamento da crise no exterior não dá segurança de que o que for investido agora terá retorno. E, o que é pior, a recessão européia já provoca redução do crescimento na China, que, nos últimos anos, sustentou a expansão da economia brasileira, comprando em quantidades crescentes, e a preços elevados, nossas commodities agrícolas e minerais. Nessa situação, há quem duvide de que mais incentivos, além dos que já foram concedidos, sejam suficientes para recuperar o PIB de 2012. Economistas ouvidos pelo Correio em matérias publicadas no último fim de semana, por exemplo, criticarama sucessão de medidas tópicas que vêm sendo adotadas. Segundo eles, falta uma estratégia mais abrangente para impulsionar o crescimento. |