segunda-feira, abril 02, 2012

O Brasil das commodities - ALBERTO CARLOS ALMEIDA

REVISTA ÉPOCA

Dilma acaba de ir à Índia. Nossa presidente governa pouco mais de 190
milhões de habitantes. O governador de Uttar Pradesh, o mais populoso
Estado indiano, governa mais gente: 200 milhões. Essa singela
comparação nos fornece uma pequena noção de quão pequenos somos diante
da população da Ásia. A Índia tem pouco mais de 1,2 bilhão de
habitantes. A China tem 100 milhões a mais. O Brasil, se ficasse na
Ásia, teria somente 5,4% da população dos dez maiores países daquela
região. Somos muito pequenininhos diante daquele mundaréu de gente.

Até há bem pouco tempo, chineses e indianos consumiam pouco. Eles,
como nós, vêm melhorando suas condições de vida. Os investimentos em
educação podem ser maiores ou menores dependendo do país, mas é fato
que todos investem e melhoram o nível de escolaridade de suas
populações. Resultado: cresce a produtividade e aumenta a riqueza
bruta e per capita. Índia e China vêm gradativamente se urbanizando. A
regra geral é que as populações urbanas ocupam empregos melhores e
consomem mais que as populações rurais. O crescimento da classe C não
é, portanto, um fenômeno exclusivamente brasileiro. É chinês e indiano
também.

Melhorar de vida significa, entre outras coisas, deixar de ser
submetido à humilhação do transporte público. Por volta dos anos 1930,
a classe C emergiu nos Estados Unidos. E o país engarrafou
completamente. Foi naquele período que a posse de automóvel atingiu
quase toda a população. E foi em resposta a essa experiência
traumática que eles construíram, a partir dos anos 1940, sua malha de
rodovias e mudaram sua maneira de morar, passando a residir nos
subúrbios. No Brasil, somente 40% da população adulta tem automóvel (e
já estamos bastante engarrafados). Haverá o dia em que todos, ou
praticamente todos, terão. Brasileiros, indianos e chineses querem ter
seu carrinho. Isso não é, nem pode ser, um direito exclusivo de uma
pequena elite que já o tem.

Toda vez que a classe A não consegue se colocar na posição de quem
nada tinha e está entrando agora no mercado consu-midor de massa, ela
deixa de entender esse tipo de oportunidade. No Brasil, praticamente a
totalidade das pessoas que per-tencem às classes A e B tem automóvel,
novo ou usado. Na classe C, somente 25% da população adulta tem carro,
uma pro-porção irrisória, perto de 5%, foi capaz de adquirir um carro
zero.

Quando os indivíduos melhoram de vida, também passam a consumir mais
alimentos. No Brasil, há vários depoimentos de famílias que,
recém-chegadas à classe C, melhoraram muito de vida durante o governo
Lula. O principal símbolo dessa ascensão é uma mudança física na
família. Todos deixam de ser magros e alguns se tornam gordinhos.
Ilude-se quem acha que o mesmo não ocorre na Ásia. Só que, lá, o
volume é imensamente maior do que aqui. Eis aí uma grande oportunidade
que se abriu para o Brasil: exportador de alimentos - commodities
agrícolas - para os asiáticos.

Um dos grandes debates do momento é a desindustrialização do Brasil e
o que o governo deve fazer para detê-la. Podería-mos adicionar a esse
debate outra questão: o que o governo poderia fazer para dinamizar
ainda mais nossa capacidade de abastecer Índia, China e seus vizinhos
de commodities? Desindustrializar resulta em perda de empregos.
Exportar mais e mais commodities resulta em criação de empregos.

Os críticos devem esquecer o argumento falacioso de que a indústria
gera mais empregos do que os serviços e a agricultura. Há hoje
inúmeras fábricas com um número irrisório de operários. A grande
maioria já foi substituída há muito tempo por robôs. Lula não teria
atualmente o público numeroso que teve em seus comícios na época das
greves do ABC paulista. Em compensação, os alimentos que exportamos
são produzidos graças a um enorme investimento em pesquisa e
desenvolvi-mento tecnológico. Isso acaba por gerar muitos empregos de
qualidade em outros segmentos da economia.

Não faz sentido produzir bens manufaturados no Brasil para exportá-los
aos mais de 3,5 bilhões de asiáticos. É evidente que, se eles
produzirem por lá, terão ganhos de escala que aqui jamais
alcançaremos, a não ser que tenhamos a proteção do governo à custa da
maioria dos consumidores.

Igualmente importante: para ter indústria exportadora, é preciso ter
poupança. Os pobrezinhos da Índia poupam 35% do PIB, enquanto os
chineses atingem a espantosa marca de 50% do PIB. Nós, brasileiros,
poupamos algo em torno de 17%, muito pouco para viabilizar a
existência de uma indústria exportadora pujante.

É compreensível que uma geração formada nos anos 1950 e 1960 esteja
ainda apegada à ideia de que o Brasil precisa de uma indústria
exportadora para ser uma potência mundial. Essa geração foi testemunha
dos anos JK e da implantação da indústria automobilística no Brasil.
Viu o período áureo de nossa urbanização e os empregos industriais
típicos desse processo. Isso é passado. O futuro é o aumento da
demanda por commodities na Ásia. Temos tudo para aproveitar essa
oportunidade. Podemos ser o Uttar Pradesh das commodities: um Estado
da Índia (na América do Sul) que enriqueça graças a sua capacidade de
abaste-cer os mais de 3 bilhões de novos consumidores asiáticos.

Não custa lembrar que teremos todos de lidar com a possibilidade de
catástrofes ambientais e ecológicas, resultado do aumento do consumo.
Que o Brasil seja o celeiro do mundo é o que todos queremos. Tudo leva
a crer que dependemos da preservação da Amazônia para que isso se
torne realidade. Há estudos sólidos mostrando que o regime de chuvas
que sustenta a agricultura do nosso país em muito depende da umidade
gerada pela Amazônia e levada de lá para o Sudeste e o Sul por meio
dos "rios voadores".

A mesma perspectiva racional e ponderada nos conduz ao caminho de
nação exportadora de commodities. O Brasil tem a chan-ce de aprender
com os erros de outras nações. Montesquieu chamou a atenção, com uma
metáfora perfeita, para a diferença entre a civilidade e a selvageria:
o não civilizado, quando quer colher um fruto da árvore, a derruba.