segunda-feira, abril 02, 2012

O acerto do Bolsa Família - CLAÚDIO DE MOURA CASTRO

REVISTA VEJA


Faz tempo, o flagelo da evasão escolar vem sendo denunciado. Ministros
discursavam, alarmados porque metade dos alunos do primeiro ano
abandonava a escola. Daí a ideia de dar às famílias uma mesada, para
que mantivessem seus filhos estudando. O governo atirou no que viu e
nasceu o Bolsa Escola. A intenção foi a melhor possível. Mas o
programa padeceu de um pecado original: quando criado, praticamente já
hão havia evasão. Com uma modesta participação minha, P. Fletcher e
Costa Ribeiro demonstraram que, já nos anos 70, a evasão no primeiro
ano não era metade, mas menos de 1 % da turma. Existia um erro
clamoroso da leitura das estatísticas. Quando começou o Bolsa Família,
a evasão entre 7 e 14 anos já estava se aproximando de 3%. Portanto,
não havia como fazer grande coisa, pois o f1agelo já estava quase
extinto. De fato, o impacto do programa sobre a evasão foi mínimo.

Mas o programa, rebatizado de Bolsa Família, acertou no que não viu -
e de forma espetacular. Quem acompanha o assunto sabe das dificuldades
crônicas de dar dinheiro aos pobres, sem perdas, sem custos
administrativos astronômicos e identificando as famílias certas. Ao
usar a escola como âncora para o programa, resolve-se um problema
antigo, de forma robusta e eficiente. É preciso entender que o Bolsa
Família não foi um coelho magicamente tirado da cartola, de um dia
para o outro. Pelo contrário, foi o coroamento de muitos anos de
amadurecimento da capacidade técnica do governo. Antes de tudo, foi
uma proeza estatística e houve muita criatividade gerencial. Uma
comissão municipal identifica a família beneficiária e confirma que se
enquadra no programa. Como os favorecidos são claramente
identificados, qualquer um pode denunciar abusos. Cria-se.
automaticamente uma conta de banco (para a mãe) e emite-se, então, um
cartão magnético, permitindo retirar o dinheiro mensalmente.

Vários estudos cuidadosos já foram realizados (cito aqui dados de
André Panela). Como se previa, o impacto sobre a evasão-é minúsculo,
pois oito anos de Bolsa Escola aumentam a frequência em apenas 0,2
ano. As mães participantes são obrigadas a exames pré-natais e
vacinas, mas o impacto sobre saúde e nutrição também é ínfimo. O
impacto sobre trabalho infantil é inconclusivo. Mas isso tudo é
detalhe, diante do resultado espetacular de distribuir recursos para
29 milhões de pessoas, ajudando a tirá-las da pobreza - uma das
façanhas festejadas no país e reconhecidas no exterior. Um dos
aspectos mais notáveis do programa é ser muito barato, consumindo 0,5%
do PIS. Em contraste, o programa de transferências para idosos e
inválidos, somado ao que assegura renda mínima, consome 0,6 % e
beneficia 3,5 milhões de pessoas. A aposentadoria rural consome 1,7%
do PIB, para 8,1 milhões. Compare-se também com os 12% que custa a
Previdência. Por tudo o que se sabe, há poucos desvios, pois os
valores são pequenos e são robustos os mecanismos de distribuição e
fiscalização. Ouseja, passa no teste da eficiência e da equidade,
coisa rara em programas desse tipo.

"O irmão da minha empregada não quis aceitar um emprego, para não
perder o Bolsa Família." Essa é uma típica acusação da classe média,
que costuma torcer o nariz para o programa. Contudo, estudos
rigorosamente contradizem essa observação direta. De fato, as análises
quantitativas existem justamente porque a observação casual pode
levantar suspeitas ou hipóteses, mas é incapaz de avaliar os fenômenos
no seu todo. No caso, as pesquisas mostram que, embora possa existir,
o desincentivo a aceitar empregos pesa pouquíssimo. Ou seja, o senso
comum está equivocado. Em suma, o Bolsa Família pode ter errado no que
viu, mas acertou espetacularmente no que não viu. É considerado pelo
Banco Mundial como o melhor sistema de transferência de renda. O que
ainda não sabemos é quanto tempo essas famílias levarão para não
precisar mais dele. Experimenta-se com vários programas de criação de
emprego, alguns bastante promissores e já bem grandinhos. Mas ainda é
muito cedo para dizer que o problema está sendo resolvido.