sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Uma nova direita, por que não? João Mellão Neto

O Estado de S. Paulo - 24/02/2012

A resistência da opinião pública à direita se explica: a direita foi a
principal força civil a sustentar a ditadura. E os militares, no
período, jamais respeitaram os direitos humanos e as garantias
individuais de ninguém.

Por causa disso, um fenômeno raro na maior parte do mundo ocorreu no
Brasil: nas últimas eleições presidenciais os principais concorrentes
eram dois candidatos assumidamente esquerdistas. Cada um deles foi
apoiado por uma constelação de partidos menores cujo único ponto em
comum é a inclusão das palavras social e socialista em suas siglas.
Até os mais empertigados empresários, no País, alegam ser dotados de
"consciência social". Em resumo, não existe aqui nenhum partido
estruturado que defenda ideias de direita. Até segunda ordem, todos os
gatos são pardos. Esse fenômeno é curioso porque as teses da direita
não são de difícil entendimento, ao contrário, elas têm muito que ver
com o que a maioria das pessoas pensa. O que precisa mudar é a forma
de abordagem: conquistam-se os homens mais pelas ideias do que pelas
baionetas.

Talvez por medo do impressionante avanço comunista durante a guerra
fria, nossos melhores pensadores de direita acabaram por se engajar no
movimento dos generais. Isso foi fatal para eles: perderam sua moral e
sua credibilidade.

Mas o pensamento da direita ainda existe. E está bem vivo tanto na
Europa como nos Estados Unidos. A maioria dos governos no Velho
Continente é de direita - Alemanha, França, Itália, Grã-Bretanha,
Portugal, Espanha. Será que os povos de todos esses países
simplesmente não sabem votar? Seríamos nós, aqui, nos rincões da
América Latina, os únicos que conhecem a verdade? Deveríamos, então,
doutriná-los, mostrar-lhes qual é, de fato, o "caminho justo"?

Na verdade, o "caminho justo" boa parte deles já conhece. E quer
distância dele. São os povos da Europa do Leste, os quais, depois da
2.ª Guerra Mundial, foram obrigados a ser felizes à maneira da União
Soviética. Angela Merkel, que cresceu do lado de lá, hoje é a
chanceler dos alemães. E chegou a esse posto por defender ideias
conservadoras.

Afinal, o que é a direita? Ela se divide em duas vertentes: a
conservadora e a liberal. E embora ambas pensem de forma semelhante,
não é sempre que estão de acordo. Sobre os liberais trataremos em
outro artigo. Façamos uma breve descrição do pensamento conservador.

O primeiro autor a retratar o conservadorismo foi o irlandês Edmund
Burke, no final do século 18. Seu livro Reflexões sobre a Revolução na
França e sobre o Comportamento de Certas Comunidades em Londres
Relativo a esse Acontecimento foi uma resposta aos excessos cometidos
pela Revolução Francesa. Segundo Burke, todas as reformas necessárias
poderiam ter sido implantadas sem derramamento de sangue, ou a
execução de seu rei.

E o que é o pensamento conservador? Em primeiro lugar, o conservador
entende que os pensadores atuais são meros anões nos ombros de
gigantes do passado. Eles acreditam enxergar mais longe, mas isso se
dá unicamente em função da estatura de seus antecessores. No que tange
a ideias, tudo o que existe já foi pensado ou implantado no passado. A
única que medrou foi a da democracia liberal - conceito que foi mais
bem desenvolvido por Karl Popper na sua obra Sociedade Aberta e os
Seus Inimigos.

Os conservadores, por entenderem - como Platão - que a prudência é a
maior da virtudes, levam muito a sério o que denominam "teste do
tempo". A ideia subjacente disso é a de que o passar dos anos é o
grande algoz das falsas ideias. Elas surgem, empolgam e algum tempo
depois desaparecem ou caem em desuso. Se isso é válido até para as
ciências, que dirá, então, da sociedade?

O conservador entende que, apesar do gigantesco avanço tecnológico dos
tempos recentes, praticamente em nada se evoluiu em termos de moral ou
de política. Apesar do conforto material ser muito maior, será que
tivemos algum avanço em termos de felicidade? Provavelmente, não. O
homem é até mais infeliz porque foi desentranhado de seu hábitat
natural. E esse hábitat era harmonioso, uma vez que fora o resultado
de séculos e séculos de arranjos sociais, todos eles decorrentes de
tentativas e erros através da História.

Nunca é recomendável se atirar com ímpeto nas novas concepções de
mundo. Primeiro, porque os radicais, apesar de ridicularizarem os
nossos usos e costumes e questionarem as nossas instituições, nunca se
mostraram capazes de construir algo melhor do que o que antes existia.
As mudanças devem sempre existir, mas na forma de aperfeiçoamentos,
jamais de ruptura. As pessoas têm de entender que o "novo" não é
necessariamente melhor que o "velho".

Outra forte razão para não dar ouvidos aos radicais é que, após tantos
séculos de civilização, é, no mínimo, improvável que nós, modernos,
venhamos a descobrir algo de realmente novo em termos de moral,
política ou arranjos sociais. Nenhuma ideia é plenamente nova. Tudo já
foi pensado e idealizado. E se não foi implantado, é porque se mostrou
inviável. Os conservadores, defendendo a ideia de que o livre-arbítrio
existe, jamais culpariam a sociedade, em geral, por o malfeitor ser o
que é. Todas as pessoas são dotadas de consciência, ninguém há de se
compadecer dos malfeitores.

O conservador, por fim, entende que a ordem moral é um valor
permanente no universo. Se uma sociedade se pautar por um forte
sentido de certo e errado, por uma ordem moral duradoura e por
convicções pessoais sobre honra e justiça, ela prosperará. Mas se, por
outro lado, não passar de uma malta de indivíduos ignorantes das
normas e convenções, voltados exclusivamente para a imediata
satisfação de seus apetites primários, essa sociedade, por melhor que
seja o seu governo, desaparecerá.