As autoridades se esforçam para continuar escondendo o conteúdo dos
depoimentos da advogada que a máfia infiltrou no governo
Rodrigo Rangel
Há duas semanas, VEJA revelou que os ministros Gilberto Carvalho,
secretário-geral da Presidência da República, e Dias Toffoli, do
Supremo Tribunal Federal, agiram em sintonia com a máfia que desviou
mais de 1 bilhão de reais dos cofres públicos. Em depoimentos
prestados ao Ministério Público e à Polícia Federal, a advogada
Christiane Araújo de Oliveira contou que, durante anos, manteve
relações estreitas com ambos e usou essa intimidade para conseguir
levar à frente ações de interesse da quadrilha para a qual trabalhava.
Apesar da gravidade das acusações, registradas há mais de um ano em um
arquivo de vídeo e outro de áudio, na ocasião nenhum procedimento de
investigação formal foi aberto para apurar a denúncia. Pior que isso:
uma parte do material - o áudio original no qual a advogada narra aos
policiais os detalhes de seus encontros com as autoridades do governo
e as atividades paralelas derivadas desses encontros - pode ter sido
propositalmente escondida para evitar constrangimentos ao governo.
No áudio até agora desaparecido, Christiane conta detalhes, muitos
deles sórdidos, a respeito do período em que conseguiu se infiltrar no
governo a pedido da máfia. Entre muitas histórias impressionantes, a
advogada confirma que, em 2009, entregou ao então advogado-geral da
União, Dias Toffoli, material gravado clandestinamente que incriminava
opositores do governo - versão confirmada em depoimento prestado
recentemente à Policia Federal por Durval Barbosa, o chefe da
quadrilha, que fez um acordo de delação premiada com a Justiça. Dias
Toffoli nega que tenha recebido qualquer documento das mãos da
advogada. Em conversas com colegas do STF, o ministro relatou que está
sendo vítima de calúnia e que teria recebido do procurador-geral da
República Roberto Gurgel a garantia de que não há nada nos depoimentos
que o comprometa. Não é um comportamento apropriado para quem deveria
zelar pelo interesse público: melhor seria se o procurador se
empenhasse em descobrir por que as revelações da advogada ficaram
escondidas por tanto tempo.
Na semana passada, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, voltou
a afirmar que "a suposta gravação informal (áudio) não consta de
nenhum procedimento instaurado pela PF". O ministro não esclarece
coisa alguma. O áudio desaparecido tem seis horas de conversas e
existem algumas cópias dele guardadas, inclusive com pessoas da
própria polícia. O ministério daria uma boa contribuição à Justiça se
ajudasse a esclarecer por que o depoimento da advogada foi - e
permanece - escondido na Diretoria de Inteligência da Polícia Federal.
Mas, ao que parece, não é esse o objetivo. Na mesma nota, o ministro
negou que tivesse recebido e visto o vídeo no qual a advogada explica
suas relações com Gilberto Carvalho. Cardozo, inclusive, chegou a
relatar o conteúdo do material a um assessor da presidente Dilma
Rousseff, segundo fontes do Palácio do Planalto. Estranho o
comportamento do procurador-geral da República. Estranho o
comportamento do ministro da Justiça.