domingo, fevereiro 26, 2012

O destino e a prévia - Merval Pereira

O GLOBO - 26/02/12

As trapaças do destino acabaram aprontando das suas na sucessão
paulistana, que se transformou em centro da disputa nacional pelo
poder entre PT e PSDB. O partido que escolhia seus candidatos "ouvindo
as bases" deixou de fazê-lo quando chegou ao poder real, passando a
impor seus preferidos às direções regionais e a reservar para Lula o
papel de candidato único à Presidência da República, sem contestações.
Já ao PSDB, diante de um quadro partidário fragmentado e sem grandes
nomes para disputar a prefeitura de São Paulo, não restou alternativa
que não fossem as prévias, uma maneira de a direção partidária lavar
as mãos na escolha de seu candidato, deixando que a frágil militância
tucana decidisse o destino do partido que, pela primeira vez em muitos
anos, a direção não conseguiu definir.

Agora que o ex-governador José Serra parece ter decidido concorrer à
prefeitura, não há mais como desistir das prévias e aclamá-lo
candidato único, como era a vontade da direção nacional no início do
processo. O próprio Serra, e o governador Geraldo Alckmin, encarregado
de fazer as sondagens iniciais com os pré-candidatos a prefeito,
chegaram à conclusão de que não realizar as prévias seria um mau
começo para uma eventual campanha de Serra.

Ele disputará as prévias, com o apoio das executivas nacional e
estadual, e, provavelmente, será o vencedor. Mas terá que cumprir essa
etapa.

As prévias, embora existam ainda no estatuto do PT, assim como a
defesa do socialismo, foram se tornando um hábito arcaico, um modelo
que não serve mais aos interesses embutidos no estágio de poder a que
o partido chegou a nível nacional.

O ministro Gilberto Carvalho, representante formal de Lula no governo
Dilma, chegou a dizer que seria "um desastre" a realização de prévias
para escolher o candidato petista à prefeitura, como chegou a defender
o senador Eduardo Suplicy.

Pelo menos coerente ele é, naquele seu jeito sonso de fazer política.
Ele e Cristovam Buarque, ambos senadores petistas na ocasião,
comandaram uma rebelião na escolha do candidato do partido à
Presidência da República em 2002, depois de Lula ter sido derrotado
quatro vezes anteriormente, duas para Collor, no primeiro e segundo
turnos de 1989, e duas no primeiro turno para Fernando Henrique em
1994 e 1998.

Os dois lançaram dentro do partido a ideia de que Lula deveria dar
lugar a uma candidatura de renovação - a mesma tese, aliás, que Lula
defendeu agora para tirar da disputa pela prefeitura Mercadante e
Marta Suplicy e lançar Fernando Haddad.

Colocaram-se então à disposição do PT para ser esse candidato, a ser
escolhido em uma prévia. A candidatura de Lula mais uma vez era
bancada pela direção nacional, que, no entanto, não teve força para
evitar as prévias.

Cristovam acabou desistindo da empreitada, mas sua pretensão de
confrontar o "grande líder" não foi perdoada: convidado para ser
ministro da Educação do primeiro governo Lula, acabou demitido por
telefone meses depois e teve de sair do PT, indo para o PDT, onde foi
candidato a presidente contra Lula nas eleições de 2006.

Suplicy levou adiante sua candidatura e foi massacrado, perdendo por
84,4% a 15,6%. No início do processo atual, para irritação do
ex-presidente Lula, ele decidiu pedir a realização de prévias no PT
para a escolha do candidato à disputa pela prefeitura de São Paulo em
2012.

O verdadeiro obstáculo ao "dedaço" de Lula que indicou Haddad como
candidato era, porém, outra Suplicy, a ex-prefeita Marta, que, até o
momento, não aderiu integralmente à campanha petista.

Aguarda o desfecho dos acordos com o prefeito Gilberto Kassab, do PSD,
para tomar uma decisão. Já disse que, com Kassab, não sobe no palanque
de Haddad, mas quem deve salvá-la dessa saia justa política é nada
menos que seu algoz, o ex-governador José Serra.

Com a decisão de disputar a prefeitura, Serra terá o apoio
"incondicional" do PSD do atual prefeito Gilberto Kassab, que está no
cargo devido ao apoio do então governador Serra à sua reeleição em
2008, contra o atual governador Geraldo Alckmin.

Os tucanos estão à frente do governo do estado de São Paulo há nada
menos que 16 anos, e retomaram o controle da prefeitura em 2004,
quando Serra, derrotado em 2002 para a Presidência da República por
Lula, venceu a petista Marta Suplicy, tendo como vice Gilberto Kassab,
àquela altura no DEM, que assumiria o posto para Serra disputar (e
vencer) o governo do estado em 2006.

Esse verdadeiro "samba do crioulo doido" da política paulista leva,
portanto, o PSDB a mudar seu sistema verticalizado de escolha de
candidatos para uma prática mais democrática.

Tentando fazer do limão uma limonada, os dirigentes tucanos viam nas
prévias a possibilidade de impulsionar uma revitalização da militância
tucana na capital paulista, o que daria novo fôlego ao partido, mesmo
sem um nome forte para candidato.

Agora, as prévias se transformarão num primeiro teste para a
candidatura de José Serra, que pode sair delas tão fortalecido
partidariamente quanto Lula saiu das prévias petistas para vencer a
eleição presidencial de 2002.

A candidatura de Serra tem a motivação menos pessoal e mais partidária
de quantas eleições já disputou: o partido precisa dele para tentar
manter o poder na capital, para Geraldo Alckmin disputar a reeleição
no governo do estado em 2014 em condições de vencer.

Caso contrário, o PT estará pronto para assumir o controle político de
São Paulo, reduzindo o espaço da oposição ainda mais.