quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Não magoem a China Alberto Tamer

O Estado de S. Paulo - 16/02/2012
 

O Brasil está pedindo que a China contenha suas exportações de manufaturados que estão deslocando a indústria nacional. Que não se limite apenas a importar commodities, soja, minério, petróleo, de pouco valor agregado. Foi isso o que o vice-presidente Michel Temer disse ao vice-primeiro-ministro chinês, Wang Qishang, que esteve em Brasília nesta semana para iniciar uma reunião técnica entre os dois países. Ele prepara também a vinda do primeiro-ministro Hi Jintao, em julho. Temer não falou expressamente em "contenção", mas em "restrição voluntária" e que "o aumento maciço e indiscriminado de produtos chineses no mercado brasileiro" desloca a produção nacional.

O vice-ministro chinês ouviu, não disse nada de mais claro, mas deve ter mandado seus assessores, que se reuniram com representantes do governo e empresários brasileiros, lembrarem que "não é a China que vende, são as empresas brasileiras que compram". Não é ela que exporta, é o Brasil que importa. Devem ter citado o grande aumento na criação de empresas comerciais brasileiras com o objetivo principal de importar produtos industrializados chineses.

Vejam esses números! E há números oficiais que comprovam o crescente interesse de importar produtos chineses. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, em janeiro do ano passado, havia 2.446 empresas importando da China e 20.841 exportando. Pois bem. Em janeiro de 2012 eram 2.641 empresas importando e 24.841 exportando. E essa tendência vem se acentuando cada vez mais.

Mas não é só isso. Ao contrario do Brasil, a China subsidia intensamente não só a sua produção, mas a exportação também. Não é apenas o yuan desvalorizado, é o juro negativo, o financiamento amplo e generoso, e as imensas vantagens oferecidas para toda a cadeia produtiva. O erro é nosso. Nesse cenário negativo, ele exportam - melhor nós importamos industrializados e vendemos alimentos e minérios.

A coluna ouviu ontem vários especialistas voltados para o comércio bilateral perguntando: se não podemos contar com a boa vontade da China, o que fazer? Onde estamos errando?

Eis algumas das conclusões.

Um dos grandes erros é o que eles chamam de "excessivo pragmatismo". Estamos buscando ganhos de curto prazo com mais exportações, mesmo que quase unicamente de commodities. Segundo, importando bens chineses a preços baixos, o que, inclusive ajuda a conter a inflação, pretendemos com isso, mesmo de forma indireta, atrair financiamentos e investimentos aparentemente vantajosos. Isso seria em parte justificável, pois as relações comerciais e financeiras entre países não se encerram na parte econômica, mas sem dúvida alguma criam um distorção nas transações bilaterais. Não dá para continuar "trocando" soja por produtos industrializados por mais vantajoso que seja a curto prazo. Esse é um fato que o governo ainda se recusa a admitir.

Afinal, o que queremos? Na verdade, dizem eles, o Brasil não sabe o que quer na relação com a China. Falta um "projeto", uma "estratégia" de curto e longo prazo.

O Brasil está preferindo se acomodar no que se poderia chamar de "o caminho mais fácil, o dos ganhos e soluções rápidas", que, no fundo, são apenas contemporizações altamente prejudiciais a importantes setores da indústria nacional".

Para esses analistas, não há nada a esperar do governo chinês na área comercial. Quanto aos investimentos, estão sendo em alguns setores industriais sim, mas a maior parte se destina a produzir o que a China mais precisa, alimentos. Já que não podem comprar terras, estão comprando antecipadamente a produção de soja, investindo em minérios, em petróleo.

De acordo com levantamento feito pelo Radbank, banco holandês que lidera os financiamentos mundiais em agronegócios, a China deve investir US$ 7,5 bilhões na Bahia e US$ 7,5 bilhões em Goiás para garantir o fornecimento de soja. O mesmo está fazendo na Argentina e em toda a América Latina.

Ela vai mudar, perguntou a coluna para os especialistas consultados? Não há por que, respondem. A crise econômica está levando a China buscar novos mercados, já que os principais mercados chineses estão deprimidos. Estados Unidos e a União Europeia também se fecham porque estão deprimidos. Só o Brasil continua aberto.