segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Mais jovens do que somos - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 20/02/12

Nas fotos, eles estão sempre de terno escuro, pérola na gravata e competente chapéu. Alguns usam sobretudo, capa de chuva ou guarda-pó, donde concluo que fazia mais frio, chovia e ventava no Brasil do passado. Pelo menos, sobre os escritores.
São belas fotos. Numa delas, José Lins do Rego, Otavio Tarquínio de Souza, Paulo Prado, José Américo de Almeida e Gilberto Freyre parecem a ponto de tomar um navio para a Europa. Em outra, Guimarães Rosa, de paletó riscado e gravata borboleta, afaga seu gato. E, ainda em outra, os rapazes de 1922, alguns com suspeitos colarinhos parnasianos, posam pimpões para o futuro -sentado no chão, sem comprometer o vinco da calça, o galhofeiro Oswald.
Enquanto Hemingway ia direto da caçada, cheirando a elefante, para uma festa de gala, nossos escritores ainda viviam engomados. O primeiro a se deixar fotografar de calção, descalço e camisa aberta ao peito talvez tenha sido Jorge Amado. Em seguida, Vinicius de Moraes começaria sua transição do terno cinza para a camisa de malha preta, existencialista, e mocassins sem meias. E, pouco depois, Fernando Sabino diria que os escritores estavam perdendo a aura -por acaso, isso coincidia com a sua adesão às mangas curtas.
Não sei se pelas becas, mas todos aqueles homens pareciam mais velhos do que eram. Pense bem:
Graciliano Ramos morreu com 60 anos;
Rosa, 59;
Zé Lins, 56;
Clarice Lispector, 56;
Olavo Bilac, 53;
José de Alencar, 48;
João do Rio, 39.
Como construíram obras tão grandes em vidas tão curtas?
Daí penso nos colegas com quem cruzo no Leblon -bronzeados, de chinelo, bermudas, camiseta do Pernalonga, iPods à orelha-, todos parecendo mais jovens do que realmente somos. E me pergunto se esse à vontade quase indecente se refletirá em obras que atravessem décadas ou séculos, como as dos antigos.