terça-feira, fevereiro 21, 2012

Celso Ming - Sob a mira, as cadernetas

O Estado de S.Paulo

O governo Dilma não está interessado só em desestimular aplicações nos fundos referenciados ao DI (Depósito Interbancário). Pretende alterar, também, regras da caderneta de poupança, de modo a rebaixar sua rentabilidade.

O problema de fundo é conhecido. A caderneta paga remuneração quase fixa. Juros de 0,5% ao mês (ou de 6,17% ao ano, uma vez compostos em 12 meses) mais fração da Taxa Referencial de Juros (TR). Na prática, traz retorno entre 7,0% e 7,5% ao ano e disputa a preferência do aplicador com outras três vantagens: (1) liquidez imediata, ou seja, possibilidade de saques a qualquer momento (com perda de rendimento se não for no "dia certo"); e isenção de (2) taxa de administração; ou do (3) Imposto de Renda, cobrado sobre a maioria das remunerações de aplicações.

O governo tem pressa na derrubada dos juros básicos, hoje de 10,5% ao ano, pelo Banco Central - que, por sua vez, já avisou que estão próximos os dias em que alcançarão um dígito (abaixo de 10,0% ao ano). Outras manifestações dos dirigentes da área dão a entender que podem cair abaixo dos 9,75% ao ano, nível que caracterizaria a queda a um dígito.

Nessa paisagem, a caderneta passa a ser um problema. Mantido seu retorno de 7,5% ao ano, logo chegará o dia em que pagará mais do que os fundos de renda fixa, especialmente os fundos DI (atrelados à Selic) - cujo rendimento está sujeito ao Imposto de Renda e cujo patrimônio é reduzido pelo sistema "come-cotas" montado pelas taxas de administração. Assim, a migração das aplicações financeiras para cadernetas ficaria inevitável - a menos que o governo passe, como quer, a tesoura de poda na remuneração da caderneta.

O problema não será solucionado só com um passeio de caneta ao pé de um texto de medida provisória. Como ficou dito, a caderneta garante liquidez imediata. O aplicador pode buscá-la de volta quando quiser. E, no entanto, só pequena parcela desses recursos está nos bancos. Foram emprestados ao tomador de financiamentos para a casa própria, que tem 10, 15 ou 20 anos para devolvê-los em prestações mensais, com juros e correção prefixados em contrato. Um dos riscos é o esvaziamento das aplicações em poupança, o que deixaria os bancos a descoberto.

Mas o aplicador poderia ficar sem opção e se manter fiel ao velho amor - rendimento a conta-gotas, mas confiável. Assim, no entanto, seria preciso prever possível reviravolta. Vamos que, adiante, seja preciso puxar novamente os juros básicos para cima. A aplicação das cadernetas poderia ficar desastradamente para trás e, para evitar novo esvaziamento, o governo teria de voltar a puxar para cima o rendimento da caderneta. Nesse caso, o descasamento entre ativos (mais baixos) e ativos (mais altos) dos bancos viria por outro fator e abalaria o sistema.

O outro risco é político. A caderneta sempre foi considerada o investimento dos pobres e dos simples. O achatamento de sua remuneração poderia levar a crer que o governo estaria metendo a mão na aplicação do povão. Pelo seu forte impacto em ano eleitoral, essas mexidas provavelmente não sairão antes de novembro.