quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Brasil, Índia e o novo Tratado de Tordesilhas Rakesh Vaidyanathan



Valor Econômico - 02/02/2012
 

Há mais de 500 anos, a Europa vivia um momento único, com as grandes navegações e a descoberta de novos continentes. Espanhóis e portugueses, sem medo do que estava por vir, foram pioneiros e lançaram-se ao mar em busca do desconhecido. Para crescer e ganhar força, já naquela época, sabia-se da necessidade de buscar novos mercados. Era impossível tornar-se uma potência sem conquistar novos territórios.
O Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, foi um marco para as conquistas do então reino de Portugal e do reino da Espanha. O objetivo era dividir as terras, tanto as já descobertas como as por descobrir, entre os dois países. Pelo Tratado, as terras situadas até 370 léguas a oeste de Cabo Verde seriam da Espanha e à leste de Portugal, evitando assim conflitos entre potências católicas.
Hoje, mais de cinco séculos depois, o conceito e a necessidade de se buscar novos mercados prevalecem, ainda mais forte, principalmente no mundo corporativo. Para ser grande e tornar-se uma potência, é preciso cruzar as fronteiras e ir cada vez mais longe.
Uma aliança pode permitir às empresas brasileiras acesso aos países que tenham influência dos indianos
No atual momento da economia mundial, diante das crises americana e europeia, a inovação e as descobertas ficam a cargo dos países emergentes. Entre eles, além da China, destacam-se Brasil e Índia. Os dois países, além de promissores, possuem particularidades interessantes pelas quais já começamos a vislumbrar as condições de um novo Tratado de Tordesilhas.
Atualmente, nos países onde há influência indiana, percebemos uma menor penetração do Brasil, como em comunidades da África, países da Commonwealth britânica (formada pelo Reino Unido e por suas antigas colônias), no Oriente Médio ou no Sudeste da Ásia. A influência indiana vem devido à diáspora dos indianos, como publicou recentemente a revista britânica "The Economist". Já o Brasil possui mais influência em toda a América Latina e no Sul da Europa, além de Moçambique e Angola, regiões nas quais os indianos não estão presentes.
É como se as influências desses dois países estivessem relacionadas e divididas entre as igrejas católica (Brasil), devido à colonização portuguesa, e a anglicana (Índia), devido à colonização inglesa, formando uma grande linha imaginária que os separam, como se fosse um novo Tratado de Tordesilhas.
Assim, as empresas brasileiras que desejam entrar em diferentes países devem considerar uma aliança com a Índia. A partir de uma base indiana e um parceiro local, essas companhias podem ter acesso a vários países que contam com a presença e influência dos indianos.
Da mesma forma, as empresas indianas que desejam explorar a América Latina, Moçambique e Angola, ou buscam parcerias com bancos e companhias espanholas ou portuguesas, podem usar as conexões brasileiras. E já existem alguns exemplos dessa divisão estratégica. Montadores de ônibus indianos preferem a tecnologia brasileira à coreana ou chinesa. Isso porque, daqui a alguns anos, esses países competirão no Sudeste Asiático, ou seja, no próprio quintal. Para evitar possíveis conflitos, é viável aproveitar a tecnologia brasileira, que está conseguindo olhar a Ásia como mercado. Mesmo longe, essa distância geográfica permite maior sinergia e alinhamento de interesses, analisando Brasil e Índia como parceiros no âmbito do novo Tratado de Tordesilhas.
Nos mercados ricos, esse novo Tratado também pode funcionar. As commodities de chá e de café são exemplos de novos impérios. O Brasil é o maior exportador de café do mundo, mas não possui uma marca que o represente mundialmente e não retém o maior valor desse negócio. Por sua vez, a Índia é a maior exportadora de chá e só possui uma marca expressiva da bebida, que pertence ao Grupo Tata. Diante dessa realidade, e enxergando Brasil e Índia como parceiros, é possível supor que, se ambos juntassem forças, dividissem investimentos, compartilhassem operações de logística e criassem valores, uma nova potência de bebidas quentes poderia nascer.
Além desse, outros exemplos dessa sinergia existem e podem acontecer, como com os sapatos femininos que, com marca, design e know-how brasileiros e custo indiano, podem reconquistar o mercado europeu. Os agropecuaristas brasileiros, especificamente a Embrapa, também têm muito a ensinar aos indianos. A experiência brasileira com sementes pode resolver problemas graves de produtividade na Índia e, quem sabe, essa colaboração crie um gigante de sementes como a companhia americana Monsanto ou como a suíça Syngenta, que tem filiais espalhadas em 96 países, inclusive no Brasil.
O Brasil, em particular, vive às vésperas de uma década de prosperidade com grandes acontecimentos, como as descobertas de reservas de petróleo e a ascensão de nova classe média. Com o superávit econômico gerado por tudo isso, o país poderá financiar a expansão global de empresas nacionais e poderá fazer grandes investimentos em inovação. Olhando as outras potências emergentes como parceiros, não apenas como concorrentes, adotando a competição cooperativa e conhecendo sobre a cultura dos países parceiros, o Brasil fará com que este superávit renda ainda mais.
É possível afirmar, portanto, que esse novo Tratado de Tordesilhas entre Brasil e Índia, com valores democráticos e sociedades diversas, é um arcabouço, é uma colaboração para que estes outros negócios aconteçam de forma estratégica. Ao contrário do primeiro Tratado de Tordesilhas, que era sobre conquistas, o novo Tratado será sobre comércio. A nova religião que será propagada não será o catolicismo, mas, sim, a democracia e uma espécie de capitalismo que permite que o talento empresarial prospere. Considerando que muitas nações emergentes estão em busca de modelos para ir além do oeste e da China, cuja economia é dirigida pelo Estado, um novo Tratado de Tordesilhas beneficiará o mundo todo, uma vez que enfatizará um modelo colaborativo entre duas democracias emergentes que promovem o capitalismo de livre mercado.
Rakesh Vaidyanathan é sócio diretor da The Jai Group, consultoria especializada em mercados emergentes.