domingo, janeiro 29, 2012

No mesmo passo - Míriam Leitão





O GLOBO -29/01/12
O ministro Antonio Patriota reagiu às criticas feitas ao apoio do Brasil ao governo Sírio, dizendo que foram desastrosas as tentativas de impor a democracia pela força. No caso da Síria, a tentativa era de evitar um genocídio. Autoridades do governo têm dito, sobre a visita a Cuba, que nenhum governo recebe dissidentes. Quando Jimmy Carter veio ao Brasil, como presidente, falou com a oposição.
Há avanços na política externa do governo Dilma, em relação à do período Lula. Mas não são muitos. Em vários momentos, o que se vê é a mesma confusão entre governo e país. Os irmãos Castro podem ser longevos, mas não são eternos. Já Cuba sobreviverá ao fim dos Castro e do Castrismo, e é com a nação cubana que o Brasil tem que manter relações.
É supernormal governantes em visita oficial se encontrarem com os que divergem do governo. Nos países democráticos, eles se chamam "oposição". Nas ditaduras é que eles se chamam "dissidentes". O ex-presidente Lula, mesmo no período mais duro do regime, quando o PT ainda nem existia, muitas vezes falou com autoridades estrangeiras em visita ao Brasil. A presidente Dilma deveria imaginar que o "dissidente" de hoje pode ser o governo de amanhã, baseada em sua própria história de vida. Portanto, deve pensar bem antes de fazer qualquer desfeita aos dissidentes cubanos, como fez o presidente Lula.
O ministro Antonio Patriota foi criticado pelo diretor-executivo da Human Rights, Watch, Kenneth Roth, porque o Brasil teria sido omisso na condenação à matança de civis na Síria. Patriota reagiu criticando o que ele definiu como "ligação quase automática entre intervenção militar e promoção da democracia".
Não estava em votação intervenção militar. O Brasil se absteve no Conselho de Segurança na resolução para condenar o governo de Bashar al-Assad pela morte de civis. Os protestos na Síria começaram em março. De março a dezembro, o número de mortos chegou a 5.826, destes, 395 eram menores. Agora, já passa de 6 mil. Com a matança em curso, a ONU colocou em votação uma moção de repúdio. O Brasil que estava no Conselho de Segurança se absteve. Depois, o Brasil integrou um grupo com a Índia e África do Sul para dialogar com Bashar al-Assad. Segundo a versão agora defendida por Patriota, no debate em Davos, a abstenção era para assegurar "um espaço para a diplomacia, para a negociação, para o diálogo e para o progresso que não alimentam a violência". Bonito. Só que, na realidade, o Brasil fez papel de bobo, porque a matança continuou inclusive durante a visita do grupo formado por Brasil, Índia e África do Sul. Em novembro, até a Liga Árabe condenou o governo da Síria que está no poder, entre pai e filho, desde 1963.
No caso da Líbia, o Brasil também ficou numa posição ambígua. Esperou muito além do razoável para iniciar relações com o novo governo. Mesmo quando Muamar Kadafi estava encurralado em algum local não sabido e o governo era de fato dirigido pelo comitê dos rebeldes, o Brasil continuava reconhecendo o inexistente governo Kadafi. No dia 26 de agosto, três dias após a tomada de Trípoli e o sumiço de Kadafi, o ministro Patriota voltou a dizer que o Brasil não reconhecia o novo governo. No dia primeiro de setembro até a Rússia já tinha relações com o novo poder, mas o Brasil só o fez no dia 16 de setembro.
O caso da Líbia mostra bem a confusão entre manter relações com países e apoiar os regimes. Na visita do ex-presidente Lula a Trípoli, em 2003, Lula fez todas as vontades do ditador. Teve aulas de geopolítica dentro da sua tenda, fez homenagem ao pai do ditador e, por fim, declarou que Kadafi estava conduzindo um processo de democratização. Nunca tinha se ouvido falar nesse processo antes, nem se ouviu depois. O ideal seria evitar esse tipo de confusão entre relações com países e apoios explícitos a regimes de força.
Existem algumas boas diferenças entre a política externa de um e de outro governo. Fomos poupados, por exemplo, de ser destino de mais um périplo de Mahmoud Ahmadinejad. Diminuiu a intensidade da relação com Hugo Chávez. No primeiro mês do governo Lula, houve três encontros com Chávez. Não existe mais essa espantosa intensidade de contatos com um governo tão polêmico, o que é um alívio. Mas, na semana passada, o ministro da Defesa, Celso Amorim, defendeu acordos militares com a Venezuela e estreitamento da relação entre os dois países na área da defesa. Chávez tem uma visão muito peculiar de defesa. Ele vive dizendo que se arma contra o gigante do norte, acumulou nos últimos anos um arsenal extravagante para esse suposto enfrentamento. Talvez fosse mais sensato não pensar em acordo militar com a Venezuela, por enquanto. Tanto a Venezuela quanto a Colômbia representam dois polos de um disputa que pertencia ao mundo da guerra fria. O Brasil está em outra. Nem quer ser sede de bases americanas, como a Colômbia; nem vê os Estados Unidos como um inimigo contra o qual se armar. Melhor que as relações com os dois países, nesse campo, se restrinjam ao que é realmente do interesse do Brasil.
O governo Dilma começou dando sinais que alimentaram a esperança de uma atualização da política externa. Esses sinais estão ficando mais fracos.