quinta-feira, janeiro 19, 2012

Na descendente - MIRIAM LEITÃO



O GLOBO - 19/01/12


A queda de meio ponto percentual na taxa de juros já era esperada, a grande dúvida é o que acontecerá nas próximas reuniões. Entre os especialistas, a pergunta feita é se haverá apenas mais uma queda de meio ponto ou se os cortes continuarão até 9% de taxa de juros este ano. A interpretação feita ontem à noite é que os juros vão cair novamente em março.

A dúvida ontem no mercado era apenas sobre o texto do comunicado. A decisão foi unânime e o texto foi o mesmo da última reunião, indicando que o BC derruba os juros para neutralizar o efeito da crise internacional. Diz ainda que derrubando os juros no tempo certo, como tem feito, conseguirá levar a inflação para o centro da meta este ano.

A inflação terminou o ano passado na medida exata que o BC precisava para não ter que passar pelo constrangimento de escrever uma carta pública explicando o descumprimento. Tanta coincidência pareceu curiosa. Mas ela ficou dois pontos acima da meta. Não foi um bom desempenho. O índice deve cair nos próximos meses. Uma parte será apenas efeito estatístico das mudanças de me todologia do IBGE, que diminuiu o peso de alguns itens, como educação. Outra será efeito defasado do aperto monetário dado pelo Banco Central no ano passado quando a inflação bateu no pico de 7,3%. Um terceiro fator é que as tarifas públicas serão corrigidas com percentuais menores. Os IGPs, que em 2010 ficaram em torno de 11%, fecharam 2011 em torno de 5%, o que reduz a alta das tarifas. Os gastos públicos vão ser afetados negativamente mas a demanda será puxada pelo aumento do salário mínimo de 14%. Por um lado ajuda a recuperação da atividade, que chegou a zero no terceiro trimestre e se recuperou um pouco no quarto. Por outro, impacta as contas previdenciárias.

Dentro do governo há um debate, como contou esta semana o “Valor Econômico” sobre se deve ou não ser cumprida a meta cheia do superávit primário. Curioso o adjetivo, porque meta é meta A invenção do conceito “cheia” vem dos truques on tábeis, desrespeitosos à inteligência alheia, que o governo usou em 2010 para fazer de conta que cumpriu o que descumpriu. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa, interlocutor privilegiado da presidente da República, estaria defendendo o aumento do investimento, o que poderia levar ao descumprimento da meta. No ano passado de fato, o investimento foi a variável de ajuste. Foi lá que se cortou, repetindo o erro de anos anteriores. Ninguém tem dúvidas de que o país precisa investir mais, e o ideal é que os investimentos fossem no que o país mais precisa. O risco é continuar a opção por projetos aos quais se concede cada vez mais subsídios governamentais, como o trem-bala.

Se o governo optar por não cumprir a meta, o Banco Central terá menos espaço para derrubar a taxa de juros. Se o cenário externo se agravar, o ideal seria liberar mais estímulo monetário. Como fazer isso, num quadro de expansão do gasto público, sem afetar a inflação? É a pergunta que o BC terá que se fazer, se quiser cumprir seu compromisso de chegar ao fim de 2012 com a inflação no centro da meta.

Há uma anomalia que se perpetua no governo brasieiro. O Tesouro está entrando no quinto ano em que inancia o BNDES com empréstimos tomados no mercado. O banco, que sempre oi financiado pelos retornos dos empréstimos e pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, tem recebido desde 2008 novas injeções de recursos, que já chegam à espantosa cifra de R$ 307,2 bilhões. Como o governo apresenta as ransferências como sendo empréstimo, o gasto não é contabilizado como gasto, e vira um ativo. Criou-se a anomalia de um gasto invisível. Também não se registra o custo pela diferença entre a axa de captação e a taxa cobrada nos créditos concedidos. Esse retrocesso no processo da contabilidade pública repete distorções do passado das quais o Brasil se ivrou com dificuldade.

A situação internacional, que o Banco Central tem acompanhado muito bem, em produzido seguidas surpresas ruins. O alerta feito ontem pelo Banco Mundial diz tudo. “Os países emergentes devem esperar pelo melhor e se preparar para o pior”, disse Andrew Burns, chefe de macroeconomia do Banco. Ele está prevendo uma queda do crescimento mundial aos níveis de 2008- 2009. Isso é mais uma razão para que o BC tenha espaço para derrubar ainda mais a axa de juros.

Desde a última reunião do Copom houve sinais contraditórios no cenário internacional. Houve o rebaixameno da nota de crédito da França, de outros oito países e mais a do fundo de resgate. Por outro lado, alguns dos países europeus conseguiram captar recursos a taxas menores que antes, e ontem o FMI acenou com a possibilidade de integrar mais ortemente o esforço europeu para o saneamento financeiro da região.

A taxa de juros deve cair ambém na próxima reunião, pelo que se pode enender do comunicado. Novas quedas dependerão da situação internacional, do espaço fiscal e do comporamento da inflação.