terça-feira, janeiro 03, 2012

Linha de frente - Míriam Leitão



O Globo - 03/01/2012
 
A corrente de comércio exterior do Brasil continua crescendo, mas permanece concentrada em alguns produtos e algumas empresas. A Vale sozinha representa 13% das exportações. As previsões são de continuar em 2012 sendo o carro-chefe das vendas ao exterior. Mesmo com a crise, a China iniciou programa de construção de 36 milhões de casas populares e há escassez de minério de ferro no mundo.
O diretor de Relações com Investidores da Vale, Roberto Castelo, disse que mesmo com as dificuldades econômicas do mundo, na Europa e nos Estados Unidos, e até com uma pequena desaceleração na China, a demanda por minério de ferro continuará alta:
- A China é muito relevante na demanda mundial e lá não houve queda. O programa de construção de casas populares dará um forte impulso ao mercado imobiliário. É para construir 36 milhões até 2015. No ano passado, foram apenas iniciadas as 10 milhões previstas no ano, e em 2012 a meta é construir outras 10 milhões de residências. A economia deve crescer menos, de 7% a 8%, mas mesmo assim com demanda firme por metais, até pelo início do décimo segundo plano quinquenal.
Segundo Castelo, há falta no mundo de novos projetos de expansão de produção de minério de ferro e escassez de oferta de qualidade, o que beneficia o Brasil. Os preços que caíram um pouco no ano passado devem se recuperar ligeiramente. Mas mesmo quando caíram permaneceram em nível alto. O que significa que o carro-chefe da exportação brasileira continuará em movimento.
O Brasil exportou dez vezes mais minério de ferro que carros; seis vezes mais soja que aviões; três vezes mais açúcar em estado bruto do que refinado. A Europa mesmo em crise comprou mais de nós. A China se consolidou como o principal parceiro. O comércio exterior brasileiro mostra que o país tem uma carteira de clientes diversificada e portanto o país nunca ganha com a crise. Japão, China, Estados Unidos, Europa e América Latina são grandes compradores do Brasil. O país ainda é altamente dependente das vendas de matérias-primas agrícolas e metálicas.
O total exportado e importado pelo Brasil ficou 25% maior este ano e o saldo fechou em US$29,79 bi. As previsões feitas no ano passado e registradas no Boletim Focus erraram redondamente. Na primeira semana de 2011, a média do mercado previa: US$8,7 bilhões de saldo. A propósito, previa 4,5% de PIB e 5,3% de inflação. Com essa cautela colocada sobre a capacidade de previsão dos economistas é que se registra aqui que a projeção do Focus para o saldo de 2012 é US$10 bilhões menor do que 2011.
Ano passado, até com a Europa, centro da crise, o Brasil aumentou em volume e em valor suas exportações. De janeiro a novembro, comparado com o mesmo período de 2010, houve um salto de US$10 bilhões.
No total dos dados, o que mais impressiona é que as exportações da Vale aumentaram mais de 50%. A Petrobras também tem um naco grande das exportações brasileiras, mas também aumentou em 2011 as importações, principalmente de gasolina, e o resultado foi um déficit de US$7,6 bilhões de janeiro a novembro. Isso sim é espantoso. Que o Brasil tenha que importar gasolina e álcool, abrindo um déficit deste tamanho em produto que poderia estar sendo produzido no país da autossuficiência e do biocombustível.
Há uma tendência antiga do Brasil de considerar que a exportação de minerais e produtos agrícolas, como minério de ferro, soja, carne, café, açúcar, não são suficientemente nobres para um país que quer ser primeiro mundo. Não há nada de errado nas exportações de produtos nos quais temos oferta e competitividade. O que precisa ser olhado com cuidado é o que está acontecendo com as exportações de manufaturados.
A indústria da transformação cresceu menos do que o resto do país nos últimos anos. Segundo José Roberto Mendonça de Barros, em artigo no "Estado de S. Paulo" neste fim de ano, o PIB total do país cresceu 16% nos últimos quatro anos, e o PIB da indústria cresceu apenas 4%. Ela não tem demonstrado capacidade de competição forte nem no mercado interno e pelos resultados se vê que os remédios usados não estão funcionando. Benefícios fiscais e elevação do protecionismo para algumas áreas não estão aumentando a competitividade da economia.
Em favor do que o Brasil tem de competitivo, como nos minerais e agronegócio, e no que o Brasil está demonstrando não conseguir competir, que é a maior parte da indústria de transformação, o melhor é tornar a economia como um todo mais eficiente. Se houver uma redução do custo tributário para as empresas e pessoas através de uma reforma tributária, se o governo reduzir o volume de impostos que as empresas pagam sobre a folha salarial, se houver investimentos certos na infraestrutura de transporte, todos os setores serão beneficiados. Ajudar o produtor de carro ou o empresário do setor têxtil é menos importante do que tornar a logística do país mais eficiente. Isso ajudará o produtor de soja, que perderá menos com o custo do transporte do seu produto, ou o empresário do setor industrial que também precisa de estradas mais rápidas.
Os bilhões emprestados e de capitalização transferidos aos frigoríficos não aumentaram a exportação de carne. Em volume, as exportações caíram 1,5% de janeiro a novembro. A venda externa de carne bovina industrializada, em volume, caiu 15%. Em vez de pensar em solução para cada setor, e ficar oscilando de lobby em lobby, o governo tem que encarar o que precisa ser feito para tornar a economia como um todo mais capaz de ocupar espaço nos mercados interno e externo. A escolha de setores, empresas, os benefícios setoriais não vão transformar o país em grande exportador.