O Estado de S. Paulo - 18/01/2012 |
Imagine o caro leitor, a prezada leitora qual seria a reação geral diante da notícia de que um alto servidor dos Poderes Executivo ou Legislativo recebeu R$ 150 mil em adiantamento salarial para reformar o apartamento de cobertura danificado pelas chuvas?
Ou se os órgãos de fiscalização constatassem "movimentações atípicas" de mais de R$ 855 milhões nas contas bancárias de parlamentares, ministros, servidores e familiares?
Escândalo, CPI, demissões, cassações (talvez), condenação pública, convocação de protestos via internet, diagnósticos de crise institucional, desmoralização, um bafafá.
Com direito a manifestações do Poder Judiciário na sua condição de guardião da lei e nos últimos tempos muito mais falante e atuante na oratória de combate aos desmandos.
Mas, como esses acontecimentos e muitos outros mais dizem respeito a distorções ocorridas na Justiça, associações de magistrados e excelências de respeitável reputação agem como se contassem entre outras com a prerrogativa inamovível de estar coletiva, definitiva e eternamente acima de qualquer suspeita.
Por mais suspeitas que possam parecer determinadas ocorrências. A partir da criação do Conselho Nacional de Justiça, a despeito da forte reação contrária, foram sendo revelados desvios de conduta em quantidade que chama atenção e inspira cuidados.
A atuação da corregedora Eliana Calmon em sua necessária estridência deu publicidade a fatos que a reação corporativista alega contribuírem para levar a Justiça ao descrédito junto à população.
Neste aspecto, muito mais deletérios são os argumentos de que as investigações do CNJ configuram uma ameaça ao Estado de Direito. Vale para condutas individuais ou para o que se poderia chamar de farra (assim como se faz quando algo semelhante acontece nos outros Poderes) de pagamentos milionários a títulos diversos.
De mesma forma como estatísticos fazem qualquer coisa com números, juristas encontram nas leis justificativas para quaisquer ações e, com base nelas, falam de uma forma que, aos olhos dos comuns, soa como mera defensiva.
A vantagem da corregedora Eliana Calmon é exatamente abordar os problemas do ponto de vista do que é certo ou errado. Óbvio, observada a legalidade.
Imprescindível também não descuidar da preservação da legitimidade dos atos. O caso do juiz citado acima mais pelo que guarda de pitoresco é típico: receber adiantamento para reformar um imóvel pode ser aceitável na iniciativa privada, onde o dono do dinheiro negocia e é de alguma forma compensado. Mas, no setor público qualquer desembolso requer critérios rigorosos.
A começar pela transparência, sempre lembrada pelos magistrados em seus julgamentos, como um dos preceitos constitucionais exigidos à administração pública.
Tempo pior. O ex-deputado federal Talvane Albuquerque (AL) que está sendo julgado como mandante do assassinato de Ceci Cunha em 1998, de quem era suplente, foi cassado pela Câmara no ano seguinte.
Hoje, pela regra de que atos anteriores ao mandato não podem ser objeto de processos de cassação por quebra de decoro parlamentar, não seria importunado por seus pares e, se reeleito como tantos outros, talvez ainda fosse deputado.
Um exemplo, apenas um, mas muito representativo, de como pioraram os critérios de funcionamento do Parlamento. Mal avaliado pelo público, Congresso também tem uma péssima imagem de si na medida em que aceita a convivência com notórios malfeitores.
Tempo melhor. Para o carioca que sempre estranhou certas coisas no panorama social do Rio, é um alento ver a foto do banqueiro do jogo e outros bichos Anísio Abraão no jornal como presidiário, em vez de testemunhar a desfaçatez com que durante anos desfilou sob aplausos do sambódromo como patrono da escola de samba Beija-Flor ou vê-lo paparicado por autoridades e colunistas sociais.
Era um acinte, porém perfeitamente incorporado ao cenário.
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