quinta-feira, janeiro 19, 2012

Bom sinal - MERVAL PEREIRA




O GLOBO - 19/01/12
A decisão da presidente Dilma Rousseff de excluir da divisão partidária o Ministério da Ciência e Tecnologia, entregando-o a um técnico - Marco Antônio Raupp, atual presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB) -, é notícia alvissareira que, se não serve para redimir a presidente por sua quase-reforma ministerial, deixa uma pequena semente para novos avanços.
É um sinal de que, havendo espaço político, a presidente parece disposta a montar uma equipe mais parecida com a de um governo com projeto do que este, que ainda reflete uma coalizão partidária que se guia mais pelo interesse fisiológico do que pelo programático.
A ideia inicial de enxugar o Ministério, seguindo o conselho do empresário Jorge Gerdau, coordenador da Comissão de Competitividade, segundo quem é impossível governar com 40 ministérios, foi por água abaixo devido a pressões políticas, especialmente do PT.
Esses ministérios como o da Igualdade Racial, o da Mulher, o da Pesca, e outros, existem oficialmente para realizar um diálogo com determinados segmentos da sociedade, mas para tanto não precisariam criar estruturas ministeriais.
Na verdade, são usados para compor com as diversas facções dos partidos de esquerda da coalizão, especialmente o PT, e por isso não foram extintos.
Outras fusões possíveis também foram abandonadas pelas mesmas necessidades de composição partidária, o que transformou a reforma que daria início formal ao governo Dilma em uma troca pontual de nomes, mas não de partidos, em alguns poucos ministérios.
Essas impossibilidades também reforçam a percepção de que a presidente Dilma ainda não conseguiu controlar politicamente sua base, e mesmo na gestão ela deixa a desejar, pois não conseguiu impedir os desmandos verificados em vários ministérios no primeiro ano de mandato.
Também a politicagem rasteira não abandonou de vez a Presidência da República, não fosse o ex-presidente Lula seu inspirador, cada vez com mais ascendência sobre as ações políticas do governo.
A presidente, que não queria manter Fernando Haddad na Educação, que pensou em tirá-lo várias vezes a cada crise do Enem, e só não o fez porque ele era parte de um projeto maior de Lula para retomar o controle político de São Paulo, no seu último dia no Ministério da Educação fez um périplo de inaugurações a seu lado, sempre o elogiando como um dos "grandes ministros da Educação do país".
É a campanha para a prefeitura de São Paulo já se desenvolvendo, pelo menos para o PT, enquanto o PSDB, seu principal adversário em teoria, divide-se em quatro pré-candidatos.
Também na questão da Saúde, a presidente Dilma enviou sinais desencontrados, pois, embora tenha aprovado a regulamentação dos gastos depois de 11 anos, organizando o setor, evitou com seu veto que a União colaborasse mais com as despesas sempre que o aumento do PIB seja maior do que a previsão.
Estados e, sobretudo, municípios continuarão a arcar com a maioria dos gastos com a Saúde, e o governo federal, desistindo de criar um imposto para o setor - no que fez muito bem -, evitou cortar gastos em outras rubricas para aumentar sua presença na Saúde, o que indica uma distorção de prioridades.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Médica Brasileira (AMB) resolveram patrocinar uma proposta de lei de iniciativa popular, a exemplo do que aconteceu com a Lei da Ficha Limpa, com o objetivo de aumentar os investimentos públicos em Saúde.
A proposta visa a ampliar para 10% os gastos da União, que hoje estão em torno de 7%. Na verdade, a grande crítica aos vetos da presidente Dilma é que neles está refletida a ideia de que não haverá mais recursos do governo federal para a Saúde, já que estados continuam tendo que gastar 12% e os municípios, 15%, o que já é uma exigência legal.
O que ficou melhor é que não será mais possível maquiar os gastos com a inclusão de itens como merenda escolar e saneamento, o que pode fazer com que dinheiro novo entre efetivamente no sistema de saúde pública.
Mas, de qualquer modo, a manutenção do espírito de modernidade que vinha sendo a marca da administração do ministro Aloizio Mercadante à frente da Ciência e Tecnologia é um avanço.
O programa Ciência Sem Fronteiras, que tem como objetivo financiar cem mil bolsas de intercâmbio nas principais universidades do exterior para estudantes, do nível médio ao pós-doutorado, é um dos grandes passos já dados para melhorar a competitividade brasileira, mesmo que o objetivo final seja ambicioso e difícil de ser alcançado.
A parceria entre os ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação, em si só, já é um avanço de visão de longo prazo, e poderá ser aperfeiçoada agora que uma pessoa da equipe de Mercadante assumirá a pasta, enquanto ele vai para o Ministério da Educação.
Outro avanço é o acordo com a iniciativa privada, que vai financiar 25 mil das cem mil bolsas em áreas prioritárias como engenharias, ciências exatas (Matemática, Física, Química), computação, produção agrícola, tecnologia aeroespacial, petróleo, gás e demais áreas tecnológicas, em mais de 200 universidades estrangeiras - entre elas as melhores do mundo, como Harvard, Stanford, Cambridge -, nas áreas de ciências da saúde, ciências da vida, engenharia e tecnologia.
Para se ter uma ideia de como estamos defasados nesse terreno, no ano passado nada menos que 350 mil chineses estudavam no exterior, em programas incentivados pelo governo.