O Globo - 23/12/2011 |
Sucumbindo a ruidoso lobby de interesses protecionistas, o governo vem adotando medidas cada vez mais descabidas, em nome da contenção de uma suposta "avalanche de importações". É preciso perceber com clareza o que de fato vem ocorrendo, para desmistificar argumentos vendidos como óbvios, mas que não fazem o menor sentido.
Em 2000, o Brasil virou o século com exportações anuais de US$55 bilhões. Em 2011, o total das exportações deverá superar a marca dos US$250 bilhões. Frustrando devaneios mercantilistas de quem esperava que tal expansão pudesse ocorrer sem aumento equivalente de importações, o valor total dos bens importados pelo País seguiu de perto o dos exportados. As importações, que não chegavam a US$56 bilhões em 2000, deverão alcançar cerca de US$220 bilhões em 2011.
Comparando-se tais cifras com as estimativas do PIB brasileiro em dólares, calculadas pelo Banco Central, verifica-se que as exportações passaram de 8,5% do PIB em 2000 a 10,6% do PIB em 2011. E que as importações evoluíram de 8,6% do PIB em 2000 para 9,3% do PIB em 2011. O que tais indicadores mostram é uma economia ainda muito fechada, pouco integrada à economia mundial, em processo de abertura.
É importante entender como vem ocorrendo a abertura pelo lado das importações. A maior parte do PIB corresponde à produção de serviços, em boa medida, não passíveis de comercialização internacional. O comércio exterior de bens envolve produtos agropecuários, florestais, minerais (inclusive petróleo) e industriais. É mais do que sabido que, nas últimas décadas, comparado com outros países, o Brasil se tornou um produtor especialmente eficiente de mercadorias agropecuárias, florestais e minerais. E está prestes a se tornar grande exportador de petróleo.
É natural, portanto, que, à medida que as exportações se expandam mais rapidamente que o PIB, e que as importações acompanhem tal expansão, a demanda de importações esteja concentrada em produtos industriais. Não é surpreendente que o processo de abertura envolva paulatino aumento da participação de bens importados na oferta de produtos industriais no País. É o que mostram dados levantados pelo Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) e pela CNI: a penetração de importações no consumo de bens produzidos pela indústria de transformação aumentou de 11,6% do PIB em 2000 para 19% em 2010.
Ao contrário do que vem sendo propalado, essa maior penetração de produtos importados industriais não tem por que ser vista como um processo de desindustrialização. Na verdade, tem sido um fator de fortalecimento e aumento de eficiência da produção industrial brasileira. E, em larga medida, decorre da possibilidade de escolha de supridores de insumos em bases mundiais, com que passaram a contar as empresas, ao longo das cadeias produtivas.
Recentemente, contudo, interesses contrariados pela abertura conseguiram, afinal, que a mão pesada do Estado passasse a ser usada para tentar reverter, na marra, o aumento da penetração de produtos importados na indústria. Bastou que brandissem, com indignação, a ocorrência de déficits crescentes na "balança comercial setorial" de vários segmentos industriais. A presunção parece ser a de que, no comércio exterior do País, não deve haver setores "deficitários".
Essa visão ridiculamente primitiva, ao arrepio de tudo que se aprendeu sobre a lógica do comércio internacional nos últimos 250 anos, vem sendo externada pelo próprio ministro da Fazenda. Para detectar quais setores precisam de barreiras à importação, "basta olhar a balança comercial", ensina Guido Mantega ("Folha de S.Paulo", 18/12/2011). "Com déficit crescente na balança", não há duvida: "O setor tem de estar sob ataque." É isso que vem inspirando medidas protecionistas indefensáveis como aumento colossal de IPI sobre automóveis importados, exigência de conteúdo local mínimo na produção de um número crescente de produtos e elevações de tarifas de importação.
O lobby do fechamento tem boas razões para comemorar. Fez de 2011 o ano da virada.
ROGÉRIO FURQUIM WERNECK é economista e professor da PUC-Ri
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