sexta-feira, dezembro 09, 2011

“O Brasil já foi o pior exemplo de federalismo fiscal. Hoje é o melhor”, diz economista alemão

O Globo

Para Mark Hallerberg, UE adote sistema nos moldes da Lei da Responsabilidade Fiscal

DEBORAH BERLINCK, CORRESPONDENTE

Publicado:8/12/11 - 23h08
Atualizado:8/12/11 - 23h18
O economista alemão Mark Hallerberg diz que os problemas da Europa não param na questão fiscal Foto: Divulgação

O economista alemão Mark Hallerberg diz que os problemas da Europa não param na questão fiscalDIVULGAÇÃO

PARIS — O economista Mark Hallerberg, da Hertie School of Governance, em Berlim, já tem o modelo fiscal que a Europa deve seguir: Brasil. Ele defende que a União Europeia (UE) adote um sistema nos moldes da Lei da Responsabilidade Fiscal do Brasil: o europeu que não cumprir o que prometeu perde a transferência de fundos de Bruxelas, sede do bloco. Hallerberg, que foi consultor de instituições, como o Banco Central Europeu (BCE), diz que os problemas da Europa não param na questão fiscal. Para ele, os alemães estão certos: é preciso reformas. "Os alemães vão pagar uma única vez. Se pagarem, vão querer garantias de que haverá reformas", diz.

O GLOBO: Fala-se num novo tratado da UE no final de março. Há tempo ou vontade política para fazer o que for preciso para salvar a zona do euro?

MARK HALLERBERG: Não acho que haverá um novo tratado em março. Haverá mudanças menores, em relação às regras fiscais. Um tratado completo vai levar muito mais tempo e envolver muito mais atores. Para salvar a zona do euro, este é apenas o começo. Será preciso mais ênfase em competitividade. As economias da Grécia e de Portugal precisam ser mais competitivas, se quisermos uma solução de longo prazo.

O GLOBO: Isso vai levar anos, não?

HALLERBERG: Agora é hora de estabilizar a situação. Quando alguém está doente, é preciso tratar primeiro o sintoma que pode matar o paciente. Depois, trata-se a doença, na esperança de curá-la. É o que está acontecendo no momento com o euro.

O GLOBO: Que tipo de acordo o senhor espera esta semana?

HALLERBERG: Espero um acordo sobre monitoramento fiscal e um freio para a dívida dos países-membros. Não acho que vai sair nada de muito grande, que ataque o problema dos desequilíbrios. Esta é uma preocupação. Lidar só com o problema fiscal não vai necessariamente resolver a crise.

O GLOBO: Que reformas são necessárias?

HALLERBERG: É preciso haver reformas que incluam, por exemplo, o mercado de trabalho, a forma como salários são pagos, de forma a permitir a concorrência. Estamos falando de permitir concorrência com o mundo, e não apenas dentro da zona do euro.

O GLOBO: Qual o problema com os salários?

HALLERBERG: O estado precisa se envolver menos com salários. Um salário-mínimo é possível, mas se for aplicado em todos os países. Mas é preciso tornar mais fácil a contratação de pessoas (na UE), de forma a permitir que se passe de indústrias menos competitivas para indústrias mais competitivas. O que quero dizer é que os salários não são tão baixos quanto deveriam ser num país como Grécia, e é por isso que eles precisam de reforma.

O GLOBO: O senhor diz que o Brasil é um modelo para a UE, por que?

HALLERBERG: O Brasil enfrentou problemas similares no final dos anos 90: uma crise bancária, estados que gastaram e eram cobertos por Brasília. A solução foi a Lei da Responsabilidade Fiscal. Para o governo não ter que cobrir os déficits dos estados, teve-se que criar regras restritivas e rigorosas no nível estadual. Vejo isso como um modelo. No Brasil, o governo federal tem poder para segurar dinheiro dos estados se eles não cumprirem as regras. Na Europa, pode-se fazer isso até um certo ponto. Meu argumento é que temos duas escolhas: um modelo americano (onde tudo é o mercado) ou o brasileiro. Hoje, estamos presos no meio termo. Isso é ruim.

O GLOBO: A Europa, então, precisa de uma Lei da Responsabilidade Fiscal, como no Brasil?

HALLERBERG: Sim.

O GLOBO: Teria que ser adaptado a uma realidade europeia, não?

HALLERBERG: Tem sempre que adaptar a uma realidade europeia. Mas é um modelo melhor do que o que temos hoje. O Brasil já foi o pior exemplo de federalismo fiscal. Hoje é o melhor. O Brasil está indo maravilhosamente bem. Neste debate, eu sempre digo: olhem para o Brasil.

O GLOBO: Os europeus que gastarem mais do que o previsto, deverão ter, então, transferência de fundos de Bruxelas cortadas, é isso?

HALLERBERG: Sim, e devem ter também um sistema de monitoramento como no Brasil. Algo que não sei se a UE vai fazer… Uma das coisas boas do que o Brasil fez foi fechar bancos (estaduais). A Europa não fechou um único. Acho que um dos problemas (da UE) é o setor bancário. Se vamos insistir em reforma, então, alguns têm (que fechar). Mas é difícil para países fazerem isso. Acho que seria preciso uma agência europeia para decidir.

O GLOBO: O senhor também argumenta que, para isso dar certo, é preciso mais integração política na UE. De que tipo?

HALLERBERG: É preciso ter um órgão central como no Brasil (para monitorar), o que não existe hoje.

O GLOBO: Por que o senhor diz que o papel dos mercados como meio de disciplinar (governos) não deve ser abandonado?

HALLERBERG: Porque eles têm informações específicas sobre países. Fico nervoso quando as pessoas criticam o mercado. O mercado põe dinheiro onde o dinheiro está. Os mercados podem estar reagindo além da conta. Mas há uma razão para isso. Não estão reagindo numa bolha. Não estou dizendo que o sistema sempre funciona, mas críticos de hoje dizem coisas do tipo: a razão pela qual as agências vão baixar a notação dos europeus é porque são agências americanas! Ora, tem também uma razão para o rebaixamento, não? De que os países não estão conseguindo pagar suas dívidas…

O GLOBO: Alemanha e França estão prontas para uma transformação radical da zona do euro?

HALLERBERG: Eu diria que há uma boa chance de que eles façam algo. A questão que resta é: os outros vão seguir? Espero que os 27 países-membros da UE ratifiquem (as mudanças), porque é melhor para a integração Europa. Se só os 17 se moverem, os outros vão ficar para trás. A ideia da integração europeia é o sucesso econômico de países como Alemanha e França. Se você for deixar os romenos, búlgaros ou croatas para trás, vai ser uma real perda.

O GLOBO: E se a população da UE não quiser que Bruxelas (sede do bloco) assuma um papel maior ?

HALLERBERG: É uma decisão que terão que tomar. Se não querem que Bruxelas assuma um papel maior, que alternativa? Querem voltar às suas conchas? O desemprego seria menor se não existisse a União Européia (UE)? Eu suspeito que seria maior. A integração econômia tem beneficiada a todos. Dizem sempre que a Alemanha é a grande vencedora. Mas a Alemanha só virou um sucesso há dois anos.

O GLOBO: Alguns dizem que a crise é a oportunidade para moldar a UE no modelo da Alemanha. Mas outros dizem que a abordagem alemã do tipo "pouco e tarde" pode causar o colapso do euro. E o senhor?

HALLERBERG: Para ser honesto, estou preocupado. É preciso fazer algo em relação aos desequilíbrios (dentro da UE), e não apenas olhar o problema fiscal. A Alemanha é um país superavitário, que tende a ver esta questão sob o prisma da dívida. Mas há outras razões pelas quais países têm déficits: Irlanda e Espanha fizeram mais em relação às suas dívidas do que a Alemanha fez nos últimos dez anos.

O GLOBO: Alemanha e França querem monitoramento dos orçamentos nacionais e sanções automáticas contra países que violarem as regras ou limites de déficit. Como isso deve ser feito ?

HALLERBERG: Se os alemães vão pagar por tudo isso, vão querer garantias de que haverá reformas e que não vão ter que pagar pelo resto da vida. Acho que os alemães vão pagar uma única vez. Isso faz sentido. Mas isso é parte da solução.