sexta-feira, dezembro 09, 2011

Crise sistêmica - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 09/12/11



O que a Europa está vivendo é crise sistêmica. Nesse quadro, tudo pode se precipitar. Basta um evento: a quebra de um banco, um país não conseguir rolar sua dívida, e pode haver pânico no mercado. “A floresta já pegou fogo”, disse Armínio Fraga. Nesse clima é que estão reunidos hoje os chefes de Estado dos países que há quase 13 anos decidiram viver a aventura de uma moeda única.

— Já há uma crise sistêmica que reúne ao mesmo tempo uma enorme dificuldade de os bancos se financiarem e uma crise da dívida pública dos países membros. A Itália está com cada vez mais dificuldades de captar e a um custo muito grande. As opções estão se estreitando — diz Fraga.

Nas últimas horas os governantes têm feito declarações fortes. O presidente Nicolas Sarkozy criou uma data fatal ao dizer que não haverá segunda chance para o euro além da reunião de hoje. A chanceler Angela Merkel admitiu que o euro perdeu credibilidade.

A situação não é ainda de colapso, acha a economista Monica de Bolle, mas ela também usa a expressão “crise sistêmica”. A mesma que usa o economista José Julio Senna.

A expressão define aquilo que os países tentam evitar a todo custo. Os EUA fizeram o que fizeram após a quebra do Lehman Brothers, despejaram trilhões no mercado, para evitar exatamente a crise sistêmica. A diferença é que agora há poucas saídas.

— Provavelmente, o que acontecerá na reunião de cúpula da União Europeia é o anúncio de um Maastricht 2.0, ou seja, o mesmo compromisso de respeitar limites de déficit público e dívida pública que ninguém respeitou, nem os grandes países — afirma Armínio.

Segundo Monica, a crise já atravessou o Atlântico:

— Os bancos americanos já foram contaminados pela exposição que têm ao sistema financeiro europeu. O custo de captação subiu muito. O financiamento ao comércio externo caiu muito, que em grande parte é feito pelos europeus. A queda dessas linhas é comparável ao que vimos em 2008. Está afetando inclusive crédito para o Brasil. O sistema interbancário europeu está travado. Os bancos não emprestam uns aos outros. O que o BCE fez hoje foi aumentar a linha de financiamento para três anos. Era um ano. Antes da crise de 2008, era de três meses.

José Julio Senna disse que no mercado muita gente acha que há apenas uma “crise de confiança”, mas o problema é mais profundo. Ele também usa a mesma expressão “crise sistêmica”, que define a situação em que o problema não é isolado e contamina outras instituições e países. Se o problema estivesse apenas nos bancos, como em 2008, seria até mais fácil pensar em engenharias financeiras salvadoras, mas os governos estão também encrencados. A crise é fiscal e bancária ao mesmo tempo.

— Se há um superendividamento há também um excesso de empréstimos concedidos, por isso é inevitável uma reestruturação de dívidas. Não podemos descartar o cenário de reestruturação de dívidas de um bom número de países. Há alguns meses, achávamos que a Itália era solvente, hoje acreditamos que ela não é — diz.

Armínio explica que a Europa perdeu tempo demais e tudo foi se agravando. Eles têm a dificuldade extra de não serem um país, mas sim uma soma de países.

— O Brasil viveu essa crise de insolvência dos estados e isso foi resolvido com uma longa e difícil renegociação com a União, mas era um mesmo país. Na Europa, a Alemanha tinha que virar credora de todos: nem ela quer, nem os outros querem. Pode-se imaginar uma saída como uma Europa mais restrita, em que alguns países deixem a união monetária, o problema é que a Itália faz parte do núcleo restrito que teria que ficar — explica Armínio.

A aflição da hora está nas manchetes e editoriais dos grandes jornais econômicos, das redes de notícias dos Estados Unidos e Europa, nas palavras dos entrevistados e comentaristas. Todos estão fazendo a contagem regressiva para o fim da reunião de hoje, como se quem não conseguiu em meses encontrar uma saída para esta crise fosse conseguir em 24 horas.

— Não há solução mágica, todas vão demorar muito tempo. Há caminhos, mas eles perderam muito tempo, achando, talvez por arrogância, que por serem europeus não aconteceria com eles o que aconteceu com outras regiões, como a nossa, por exemplo — diz Armínio.

O futuro do euro nunca foi tão incerto. Propostas novas surgem a cada momento, e sobrevivem até serem abatidas por alguma declaração. Ora é o BCE que financiará a todos, ora é um empréstimo do BCE ao FMI para o Fundo emprestar aos governos, ora é a junção de fundos para criar uma “bazuca” financeira, ora um aprofundamento da união fiscal.

— Qualquer que seja a solução, será longa, demorada e complicada. Os países europeus têm que fazer ajustes para reduzir seus déficits, como nós fizemos aqui. Mas a região cresce pouco e os países já têm uma carga tributária alta. A floresta já pegou fogo e, neste momento, há fuga do sistema bancário e dúvida sobre a capacidade de pagamento dos países — afirma Armínio.

Hoje será um longo dia, ao fim do qual a Europa terá que ter alguma resposta para o mundo e, principalmente, para si mesma.