À margem da discussão sobre política pública de saúde, ensejada pela enfermidade de Lula - e sem que a mídia tenha dado qualquer atenção ao tema -, está em curso uma grave decisão, que ilustra a natureza precária, irracional mesmo, da gestão do setor.
O Ministério da Saúde decidiu transformar um dos melhores hospitais da rede SUS em todo o país – o Hospital de Ipanema, no Rio de Janeiro – em centro avançado de transplante.
Aparentemente, uma decisão interessante, que dotaria a cidade de um centro de medicina de vanguarda, não fosse o fato de que, ao mesmo tempo, privará a população de um centro cirúrgico dos mais bem equipados do país, referência em endoscopia digestiva alta, pioneiro na implantação de controle de infecção hospitalar e, entre outras coisas, o único a fazer cirurgias por video- laparoscopia avançada na rede pública.
O absurdo está em que, além de não consultar as autoridades médicas da cidade, o Ministério da Saúde desprezou o fato de que a medicina de transplantes, em todo o mundo, está atrelada a uma universidade.
E não é por acaso, conforme esclarece o médico Octávio Vaz, membro titular da Academia Nacional de Medicina, titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e professor universitário.
Segundo ele, o transplante não é uma operação que possa ser executada com segurança num centro isolado, especialmente num hospital pequeno e sem espaço, como o de Ipanema, insuficiente para abrigar os serviços necessários ao suporte técnico que esses pacientes precisam.
O detalhe, que mostra o desconhecimento de causa dos que, à revelia da comunidade médica carioca, decidiram pela extinção pura e simples de um dos raros hospitais bem equipados da rede pública, é que há na cidade pelo menos dois centros universitários em condições de abrigar o centro avançado de transplante: o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), que conta com um centro de transplante em precário funcionamento por falta de investimento do governo estadual, mas tem pessoal qualificado e experiência nesse tipo de operação, e o Hospital Federal de Bonsucesso, que possui também um centro de transplante, que só não funciona na plenitude pelo mesmo motivo: falta de recursos.
Em vez de reforçá-los, com muito menos dispêndio de verbas, em condições bem mais propícias, opta-se pela extinção de um hospital, para começar do zero algo que já está iniciado.
O que daí se deduz é algo bem mais sério que discutir se o SUS é bom ou não. Não há dúvida de que está longe da perfeição que Lula lhe atribuiu do alto de um palanque. Mas é certo que possui algumas áreas de excelência, como o Hospital de Ipanema.
O ponto nevrálgico, revelado pela estúpida decisão de acabar com aquele hospital, é que não há visão sistêmica, coordenada, na política de saúde pública brasileira. Tem-se a impressão de que as decisões são quase aleatórias. Cuida-se da árvore sem se observar (ou mesmo sem se conhecer) a floresta.
Decide-se em Brasília algo que afetará a vida de milhares de pessoas em outra cidade, sem nem ao menos se ouvir quem atua no meio e põe a mão na massa.
E a sempre alegada falta de verba se agrava com esse tipo de conduta, que encarece custos e piora os serviços. Uma soma fatal.
Por que, em vez de extinguir um hospital público que funciona sem problemas há 55 anos – e foi o primeiro no Rio a ser credenciado pelo SUS -, tratando com competência pacientes de alta complexidade, não ativar centros universitários já instalados, com pessoal qualificado, somando, em vez de reduzir?
O doutor Octávio Vaz, do alto de sua experiência, que o fez um dos mais renomados médicos do Rio, resume: incompetência e autoritarismo.
Numa palavra, burrice (que, como se sabe, é doença incurável, tanto na rede privada como no SUS).
Fonte:Blog Noblat
|