sexta-feira, novembro 11, 2011

Meu reino por uma causa-Sandro Vaia

Um jovem é um ser imaculado por natureza, e por ser puro é inimputável.
Antes de crescer, ele tem direito a uma cota de desatino que já lhe é concedida não só pela natureza mas pela má consciência dos adultos, que veem neles a encarnação dos sonhos que perseguiram na juventude e abandonaram para tocar a maldita, prosaica e material vida.
Por isso é muito malvado e reacionário querer impor freios à natural energia criadora dos jovens.
É isso que faz, por exemplo, o repórter da TV Globo chamar de "meninos" meia dúzia de marmanjos jubilados que usam o campus da universidade para exercitar seu peculiar senso de democracia, onde 300 se acham no direito de dizer o que os outros 84.700 devem fazer ou pensar da vida.
É muito "libertador" querer expulsar do campus universitário uma polícia que foi chamada para reprimir o crime (e conseguiu reduzi-lo em quase 90%) mas que não pode aplicar a mesma lei a todos, porque, como sabemos, no nosso modelo de democracia, todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros.
A lei é para os comuns, e alguns vetustos senadores e alguns sobredotados estudantes universitários são incomuns - portanto, fora do alcance da lei.
Desde maio de 1968 a efervescência política juvenil foi alçada à categoria de pensamento, ainda que a memória daquela época não tenha deixado legados muito mais concretos do que a mitificação de alguns danny-le-rouges e alguns filmes épico-existenciais de Godard e Bertolucci.
O episódio da reitoria da USP está mais para uma estética J.B.Tanko do que uma estética Bertolucci, mas mesmo assim é compreensível que jovens ajam como jovens e demonstrem toda a sua monumental ignorância histórica comparando o chega-pra-lá da PM com a repressão da ditadura e chamando de "tortura" as duas horas de calorão forçado dentro de um ônibus.
O cômico quase desaparecimento de um aluno filho de pai militante, que esteve a ponto de transformar em mártir o pimpolho que estava bem protegido na casa da mamãe, encerrou com chave de ouro a épica jornada dos estudantes à procura de uma causa.
A desocupação da reitoria, em cumprimento a uma decisão judicial de reintegração de posse, foi executada com a devida serenidade e cautela pela tropa da PM, e os estudantes e seus apoiadores procuraram com minúcias um hematoma que fosse para transformar em bandeira, mas não conseguiram achar sequer um mísero arranhão para chamar de arbitrariedade ou violência. Um fiasco.
Ao ver aqueles meninos e alguns nem-tão-meninos privilegiados olhando para a polícia com o desdém que os oprimidos dedicam aos opressores, foi impossível não lembrar do intelectual comunista italiano Pier Paolo Pasolini e seu famoso poema sobre a Batalha do Valle Giulia, um embate entre policiais e estudantes da Universidade de Roma ocorrido em março de 1968, no contexto da revolta estudantil que abalou toda a Europa.
Naquela batalha, dizia o marxista Pasolini, ele simpatizava com os policiais, pois eles eram os verdadeiros filhos de famílias pobres, e os estudantes eram os filhos da burguesia.
A eles disse: 
"Vocês são medrosos, inseguros, desesperados (muito bem) 
mas sabem também como ser 
prepotentes, chantagistas, seguros 
prerrogativas pequeno burguesas, amigos."

Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de "O Estado de S.Paulo". É autor do livro "A Ilha Roubada", (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail:svaia@uol.com.br