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Em seguida, surpreendentemente, o Banco Central baixou a taxa de juros (Selic), contrariando as expectativas da maioria dos analistas e aparentemente sob pressão política. O BC apostou na deterioração da economia mundial e na promessa de geração de robustos superávits primários no setor público. A piora da crise dos países ricos provocaria efeitos desinflacionários no Brasil. O esforço fiscal ajudaria a combater a inflação. Esses cenários não parecem ser os mais prováveis.
A presidente Dilma, eleita democraticamente, tem o direito e o poder de mudar a política econômica. A hora da verdade virá com a inflação. O BC assegura que ela convergirá para a meta de 4,5% em 2012. Muitos analistas, entre os quais este escriba, não partilham desse otimismo
Logo após, o governo aumentou brutalmente o IPI sobre automóveis importados, numa inequívoca ação protecionista. A súbita mudança de regras e as exigências de conteúdo mínimo nacional em produtos industriais lembraram os velhos tempos do fechamento da economia.
A política econômica substituída se fundava no conhecido "tripé": metas para a inflação, câmbio flutuante e superávits primários. Reconhecida aqui e lá fora como parte relevante do sucesso do Brasil, aquela política ganhou realce na análise das agências classificadoras de risco, que nos atribuíram o "grau de investimento" a partir de 2008. Com coragem e intuição, Lula manteve a política. A maioria do PT não gostou, mas se resignou. O exercício do poder falou mais alto.
Com a substituição de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda (2006), a resistência à política econômica aumentou. Mudanças surgiram ainda no governo Lula, particularmente o uso de manobras contábeis para esconder a forte expansão de gastos de 2010. Agora, a crise mundial foi o pretexto para a guinada definitiva. Passou-se a privilegiar o crescimento e não a estabilidade de preços, embora o governo reitere seu compromisso com o controle da inflação. O "tripé" ainda está de pé, mas com ares de alicerces deteriorados, que em algum momento podem deixar o edifício ruir.
A guinada foi apoiada por notórios críticos da política econômica anterior. Comemorou-se o que lhes pareceu o advento da verdadeira independência do BC, que antes se teria curvado a interesses de segmentos, em relação promíscua com o sistema financeiro. Os bancos teriam influenciado elevações da Selic para aumentar os lucros. O raciocínio é tosco, mas costuma ser aceito pelos menos informados.
É preciso reconhecer, todavia, que a mudança é legítima. A presidente Dilma, eleita democraticamente, tem o direito e o poder de mudar a política econômica. Se estiver certa, os "desenvolvimentistas" se provarão corretos e o país recuperará perdas derivadas de erros do passado, inclusive no governo Lula. Entre os que apoiam a nova orientação, há quem sustente que a Selic nada tem a ver com o controle da inflação. A única consequência de sua redução seria a economia de bilhões para o Tesouro, hoje desperdiçados com as altas taxas de juros. Há "desenvolvimentistas" que não chegam a tanto, mas sustentam que a nova política manterá a inflação sob controle.
A hora da verdade virá com a inflação. O BC assegura que ela convergirá para a meta de 4,5% em 2012. Muitos analistas, entre os quais este escriba, não partilham desse otimismo. Para eles, a inflação de 2011 superará o limite superior da meta, que é de 6,5%, e poderá ficar perto de 6% em 2012.
A nova política econômica tem seus riscos, mas nos oferece a ocasião para um teste. Se estiver certa, será a glória para os "desenvolvimentistas", que por ela tanto clamaram. Em caso contrário, o fracasso nos levará de volta aos rumos anteriores, com muitos custos. Será uma pena se a queda da inflação vier do colapso da economia mundial. Seria um sinal falso, pois o resultado decorreria de um acontecimento externo e não da nova política.