Valor Econômico - 24/10/2011 |
No século XVIII, o proeminente francês enunciou a máxima: "Na natureza nada se cria, nada perde, tudo se transforma" - é conhecida como a lei de Lavoisier de conservação das massas. Conhecido como o pai da química moderna, fez também contribuições importantes na biologia e ajudou a criar o sistema métrico. Tem outra, inédita, a lei de desperdício de riqueza que diz: "Na economia, quando não se cria e não se transforma, se perde muito". Experimentos empíricos dela abundam, o Brasil está repetindo alguns que vão comprovar sua validade.
Um é a reintrodução do populismo inflacionário, uma experiência em três etapas. Na primeira, com os preços subindo mais rapidamente, há uma queda artificial dos juros, a redução dos salários reais, do aumento de margens das empresas e de mais empregos e mais lucros, é a fase atual, a da satisfação. A segunda etapa começa com a disputa pela recuperação da remuneração dos trabalhadores e do aumento da pressão dos preços, com a economia mais vulnerável a choques de oferta. Termina na terceira, que é a de juros mais altos e menos crescimento, a da amargura. Resumidamente, troca-se crescer um pouco a mais no presente, por bem menos no futuro. Também é conhecido como miopia inflacionária ou ilusão de crescimento.
Em vez de estimular a demanda, a prescrição, numa economia aberta, é fomentar a oferta, a produção
Há dezenas de casos em que momentos de complacência são seguidos de apertos posteriores. No Brasil, nas décadas de 1960 a 1990, alguns episódios ilustram o ponto. A atual curva de juros mostra que o mercado antecipa novas reduções na taxa básica de juros, mas que a mesma deve subir a partir do ano que vem e, este ano, as projeções de crescimento do PIB caíram e as da inflação subiram. São números que mostram o efeito oposto ao objetivado pelos condutores da economia.
Outro teste que tem o resultado conhecido, é fazer manifestações, artigos e abaixo assinados para baixar a Selic. São bem intencionados, mas comprovadamente, não alcançam seus objetivos. Se tivessem algum efeito, considerando a quantidade de protestos contra os juros altos no Brasil, observar-se-iam aqui as taxas mais baixas do mundo. Não é o que acontece. É primordial baixar os juros, mas o foco tem que ser mais ambicioso, de reduzi-los definitivamente.
Diminuir as taxas deveria ser um dos objetivos mais importantes da política econômica brasileira. Seus efeitos são perniciosos, concentram a riqueza, encarecem o crédito, postergam investimentos e desestimulam o crescimento. São centenas de bilhões de reais jogados fora com juros altos. Todavia, é um fato comprovado na economia que uma taxa de juros muito abaixo do nível de equilíbrio tem o mesmo efeito de uma acima do patamar neutro, restringe o potencial de crescimento da economia. Reduzir demais é economizar um pouco no presente, para desperdiçar muito mais à frente.
Com uma dinâmica fiscal parecida com a de outros países, o valor dos juros no Brasil é várias vezes mais alto aqui. O custo do crédito, apesar da sofisticação do sistema, é o segundo maior do planeta. Sua redução traria mais crescimento, estabilidade e lucros mais sólidos e duradouros para os bancos.
O foco das ações para baixar os juros deveria se um conjunto de medidas para reduzir a taxa neutra. Uma poderia ser a remoção do entulho inflacionário do sistema financeiro. Um exemplo, aumentar o prazo para creditar rendimentos da poupança, o mesmo foi diminuído para a cada trinta dias, na época de inflação alta, para preservar o patrimônio do pequeno poupador; atualmente, seu efeito é perverso, estimulando gastos com juros altos. Tornando-o trimestral, ou semestral, motivaria a postergação das decisões de consumo, aumentando a potência da política monetária. Falta ao país uma política de juros consistente com a nova dinâmica econômica e os novos tempos.
Falta ao país uma política de baixar os juros de maneira definitiva que inclua uma política de crédito mais sensível ao custo de captação dos bancos e menos condicionada à liquidez do mercado, a redução da cunha de intermediação, à melhoria do quadro institucional, a eliminação dos créditos tabelados e a mais transparência na gestão da política monetária. Anunciar que a meta é 4,5% e praticar 6,5%, sem um choque de oferta, gera incertezas desnecessárias que pressionam os juros de prazos mais longos.
Outra política com o resultado sabido é a de incentivar o consumo interno numa economia aberta. Não dá certo. O que acontece é um aumento nas importações de bens de consumo e uma pressão no custos dos serviços, com um resultado pífio na atividade econômica e efeitos indesejáveis na balança comercial e na inflação. O Brasil não é mais uma economia fechada, são outros tempos. Em vez de estimular a demanda, a prescrição, numa economia aberta, é fomentar a oferta, a produção.
Um exemplo emblemático é o café. Um dos melhores para tomar no Brasil é fabricado na Suíça, por uma multinacional que têm várias plantas industriais aqui. Apesar do clima melhor, da mão de obra mais barata, dos custos de transporte e da proximidade do plantio, a empresa, conhecida pela excelência de sua gestão, decide fabricar as capsulas a dez mil quilômetros de distância para vender aqui. Acontece algo parecido com a pimenta, uma das mais vendidas aqui é americana, com grãos brasileiros, ou com o chocolate, feito com cacau baiano na Bélgica.
A causa é que a política econômica não tem como objetivo prioritário melhorar as condições empresariais do país. Ilustrando o ponto, nas 182 Metas do Centenário Brasil 2022, apenas uma trata de reformar. É irônico, mas seu objetivo é mudar algo fora do Brasil o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Há uma obsolescência nas normas para produzir gerando dezenas de milhares de empregos para burocratas, advogados, contadores e despachantes. São custos que tiram a competitividade do país. No ranking empresarial do Banco Mundial, divulgado esta semana, o Brasil caiu seis posições e está em 126º lugar. A melhor ginga do mundo tem que conviver com uma das piores burocracias.
O desenvolvimentismo tem um nome lindo, teve sua importância na metade do século passado, mas não serve mais para o Brasil do século XXI. Propõe obras públicas, que há cinquenta anos geravam empregos e atualmente aumentam a importação de máquinas pesadas. Culpa o resto do mundo pelos problemas internos, com isso consegue Ibope, mas não crescimento.
Atualmente, vive-se um momento bom, há um potencial a ser usufruído. Não se deve desperdiçar riquezas. É hora de adequar a política econômica, o país não pode ficar refém de uma visão ultrapassada.
Roberto Luis Troster, doutor em economia pela USP, foi economista chefe da Febraban, da ABBC e professor da PUC-SP, USP e Mackenzie. E-mail: robertotroster@uol.com.br
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