FOLHA DE SP - 21/10/11
SÃO PAULO - Muammar Gaddafi, ditador da Líbia por 42 anos, está morto. Foi feita justiça? A pergunta é capciosa. Não há dúvida de que Gaddafi foi um tirano particularmente selvagem. A lista de malfeitos inclui assassinato, estupro, terrorismo e roubo.
Estima-se que ele e sua família tenham pilhado bilhões.
Irascível, eliminava opositores até por críticas leves ao regime. Conta-se que, numa ocasião, deixou os corpos de adversários que enforcara apodrecendo na praça central de Trípoli. Para garantir que todos captassem a mensagem, desviou o trânsito, forçando motoristas a passar pelo local.
O mundo, porém, não é um lugar tão simples como gostaríamos. O ditador também exibe algumas realizações civilizatórias. Respaldado pelo petróleo, investiu em saúde e educação e até distribuiu alguma renda. A expectativa de vida saltou de 51 anos em 1969 para mais de 74. A Líbia tem os melhores índices de educação da África. O ditador também fez avançar os direitos das mulheres. O maniqueísmo funciona melhor em nossas mentes que na realidade.
Como explica o psicólogo Jonathan Haidt, "puro mal" é uma ilusão da qual nos servimos para distribuir culpa para outros. O que a literatura mostra é que violência e crueldade têm quatro causas principais.
As duas primeiras são ambição e sadismo, mas respondem por poucos casos. É relativamente raro alguém matar só para ter lucro ou prazer. As outras duas são alta autoestima e idealismo moral, que tentamos incutir em nossos filhos desde pequenos.
A razão mais comum de conflito é o excesso de autoestima. Quando alguém ameaça a imagem que fazemos de nós mesmos, vamos para a briga. Gaddafi, que, entre vários epítetos, fazia-se chamar de "rei dos reis", não sofria de baixa autoestima. Mas, para que o "guia da revolução" se tornasse o assassino em massa que virou, foi preciso acrescentar o idealismo, isto é, a convicção de servir a um Deus e a uma ideologia infalíveis. Foi uma combinação mortal.