FOLHA DE SP 30/10/11
No verão do Rio, até a Quarta-Feira de Cinzas ninguém vai querer saber se o ministro caiu ou não
Na última quarta-feira, fui ao banco pagar meus impostos e, quando cheguei ao caixa, o funcionário -que eu nem conhecia- me contou a novidade, sorrindo: "O ministro sai hoje, acabei de ouvir no rádio".
Houve logo uma espécie de confraternização; as pessoas que estavam na fila atrás de mim também tinham ouvido e começaram a comentar, uns falando com os outros, como se fosse gol do Brasil numa final de Copa. O clima ficou animado como nunca é, numa fila de banco, e lembrei de uma cena inesquecível e parecida, acontecida há muitos anos, aqui no Rio. Eu estava no centro da cidade, quando surgiu no céu um arco-íris tão colorido, tão nítido, tão alegre, tão perfeito, que as pessoas na rua falavam umas com as outras, apontavam com o dedo e perguntavam "você viu que lindo?" Uma cena não tem nada a ver com a outra, mas no fundo tem.
Quem ficou mal na foto? Em primeiro lugar, Lula -"político tem que ter casca grossa"-, e em segundo, a própria Dilma, que poderia ter um pouco mais de autoridade e fazer o que seu instinto manda, e instinto não lhe falta; ou ela tinha alguma dúvida sobre o fim dessa história?
A presidente não desperta grandes simpatias, mas é preciso separar as coisas: gostar ou não de alguém, quando esse alguém é uma figura pública, não tem nada a ver com o reconhecimento de suas qualidades e defeitos. Apesar de Dilma ter trabalhado tanto tempo com Lula, deu para acreditar que ela pudesse ser diferente: no caráter, na aversão aos "malfeitos", no seu aparente desconforto com a corrupção em geral, na coragem de tomar uma atitude.
É verdade que ela já fez rolar várias cabeças, mas sempre de maneira vacilante, deixando as coisas chegarem ao limite, evitando dar um murro na mesa. Hoje ela deve estar feliz, pois talvez possa fazer (em breve) aquilo que mais gosta: nomear outra mulher para seu ministério.
Mas voltei a pensar na queda do ministro e no arco-íris, e no que une as pessoas que nem se conhecem: geralmente as grandes alegrias e as grandes tragédias. E de pensamento em pensamento -já que neles a gente não manda- pensei em uma coisa bem banal, que não é nenhuma novidade, mas importantíssima para os cariocas: o verão está chegando; devagarzinho, mas está.
No Rio, quase todos os dias do ano são de sol, o céu é sempre azul, as praias estão sempre cheias, mas isso não tem nada a ver com o verão de verdade. Quando ele chega, se percebe pela água do mar, que muda de cor, pelo cheiro da maresia, pelo canto das cigarras, pelo comportamento das pessoas.
Os homens se tornam mais atrevidos, e as mulheres acolhem esse atrevimento cheias de alegria; há meses elas se preparam -fazendo ginástica, passando fome, cuidando do novo guarda-roupa- para o acontecimento mais esperado do ano que é o verão, onde tudo pode acontecer, e geralmente acontece.
É a temporada da democracia, quando as diferenças de classe desaparecem, com homens e mulheres usando as mesmas sandálias Havaianas, as mesmas camisetas, tomando a mesma água de coco, tudo baratinho; com um top de paetês comprado no camelô, a festa já está pronta . Assim foi, é e será todos os anos, e até a Quarta-Feira de Cinzas ninguém vai querer saber se o ministro caiu ou não, porque nada é mais importante, no grande balneário que é o Rio, do que o verão.