segunda-feira, outubro 17, 2011

Calamidade no DNIT ALAYR MALTA FALCÃO



O GLOBO - 17/10/11

O setor rodoviário brasileiro atravessa uma crise sem precedentes e sem perspectivas de soluções em curto prazo. No GLOBO (24/07), um artigo com o sugestivo título “Feito para não funcionar” enfocou aspectos negativos na gestão do Dnit, com ênfase na questão dos chamados termos aditivos contratuais: “Por trás de dirigentes e servidores acusados de corrupção, prospera no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) uma engrenagem azeitada para impedir o controle e engavetar toda e qualquer proposta moralizadora. Consultores terceirizados emitem projetos de engenharia apócrifos e de baixa qualidade, que resultam em obras com múltiplos termos aditivos para ampliar custos e prazos”.
A questão dos termos aditivos, em tese, deve ser encarada como um recurso inerente às condicionantes temporais, metodológicas e financeiras (custo-precisão/benefício) que norteiam a elaboração de projetos de engenharia rodoviária, notadamente, os de restauração de pavimento. Todavia não existe qualquer justificativa técnica para a sistemática lavratura, conforme vem ocorrendo no Dnit, de aditivos anômalos, destituídos de qualquer fundamento técnico consistente — os quais, com grande frequência, independentemente da qualidade do projeto, decorrem, no todo ou em parte, de “práticas viciadas em processos de medição de terraplenagem” e da “indústria dos preços unitários contratuais novos”.
A proliferação desses termos aditivos gera uma situação anômala, com a qual o Dnit convive. É decorrência de um modelo organizacional estagnado tecnologicamente, e com uma centralização de poderes de decisão, cuja irracionalidade já se evidenciava desde os tempos do extinto DNER, há mais de 30 anos. Esse quadro se agravou e tornou o Dnit extremamente exposto às pressões políticas.
Como profissional do setor, convivi com fatos que são exemplares. Em 1994 integrei, com dois engenheiros de Santa Catarina, uma comissão constituída pelo Crea/SC para analisar orçamentos referenciais relativos a obras em segmentos da rodovia BR- 101/SC, então delegadas ao estado. O relatório de análise elaborado pela comissão, acusando um sobrepreço de 66%, foi encaminhado ao MT/DNER que, de forma exemplar, de imediato, cancelou o convênio e recomendou a anulação de licitação já realizada.
No período 1995/2002 participei, entre vários estudos, no Instituto Militar de Engenharia (IME), da elaboração do Estudo de Viabilidade Técnico- Econômica da Duplicação do trecho Florianópolis/SC-Osório/RS. Esse estudo teve sua versão final adulterada, através de uma tendenciosa manipulação de dados, por parte da firma consultora, com a finalidade de “garantir a viabilidade do empreendimento”. O estudo “vicioso” liberou, para a execução das obras, os respectivos projetos executivos, numa extensão de 348 km. Eles se demonstravam inadequados, com muitas soluções sem fundamentação técnico-econômica, com custos elevadíssimos e envolvendo riscos.
Encaminhei esses fatos e outras irregularidades ao conhecimento do IME, do Dnit e do Ministério dos Transportes. Apesar da evidente gravidade das informações que repassei, não foi adotada nenhuma providência. Foram continuados os trabalhos (na BR-101), contratando- se as obras.
“Morte anunciada” é um conceito adequado para o quadro atual das questões aqui enfocadas. A respeito do IME , a edição do GLOBO de 12/8/2011, em seu artigo “Fraude no IME tem 5 generais sobre suspeita”, dá prosseguimento na análise. O artigo discorre sobre problemas no período 2001-2010 — em grande parte decorrentes dos mencionados convênios com o Dnit. No que se refere à duplicação da BR-101, as obras, com prazo de execução final de 3 anos, já se prolongam por mais de 7 anos, sem previsão de conclusão, tendo sido os projetos totalmente alterados e mutilados com acentuados acréscimos de custo. Os 23 contratos dessa obra já foram contemplados com um número absurdo de 268 termos aditivos!
No âmbito do DNER/Dnit foram desenvolvidos, sob a minha responsabilidade técnica, vários instrumentos integrantes do acervo normativo do órgão, e que tratam da regulamentação de tópicos referentes à elaboração e à alteração de projetos, de preços unitários de obras, de medição de terraplenagem e de avaliação de desempenho de consultoras.
Esses instrumentos, quando devidamente aplicados, seguramente exercem decisivo e valioso efeito coercitivo sobre os acréscimos de custos das obras — resolvendo, consequentemente, a questão dos aditivos anômalos. Todavia, conforme pode ser verificado em análises processuais, os dirigentes — inclusive os superintendentes regionais — nunca se empenharam pela efetiva e devida aplicação correta.
O Dnit se mantém totalmente exposto às obras do PAC, um programa abrangente e da maior magnitude. Assim, tudo indica que, ante os condicionamentos temporais, financeiros e metodológicos totalmente inadequados impostos pela cúpula MT/Dnit para a elaboração dos respectivos projetos, a tendência natural é, quando da execução das obras, a ampliação do quadro tumultuado com que se convive atualmente, gerando uma autêntica indústria de termos aditivos.
O ministro dos Transportes deveria rever suas afirmativas, já recitadas por outro ministro, de que com o projeto executivo tais problemas estarão resolvidos. As obras de duplicação da BR-101 estão calcadas em projeto executivo. Quando levantei o problema em 2002, o Dnit qualificou o projeto como tendo sido o melhor já desenvolvido no Brasil, mas o que se qualifica hoje, na obra, é um quadro de calamidade
Os problemas enfocados nos noticiários e as contundentes críticas formuladas pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria Geral da União evidenciam o engessamento crescente de que o Dnit está sendo alvo. Da mesma maneira, o estado deplorável das condições de operação oferecidas acarreta ônus crescentes para o tráfego, em termos de custos operacionais e de custos de acidente e em termos de tempo de viagem. Tais atributos negativos não são compatíveis com as necessidades do país.
O contexto atual parece indicar a necessidade de uma reavaliação do modelo organizacional do órgão, a partir de uma análise profunda do Dnit, com base nos diagnósticos do TCU e contando-se com a participação da elite da Engenharia Rodoviária e da Fundação Getulio Vargas.
ALAYR MALTA FALCÃO é engenheiro civil.