O Estado de S. Paulo - 27/09/2011 |
Ainda não são definitivos os sinais de que a crise grega desembocará em breve num calote negociado de sua dívida. Mas são cada vez mais amplos os indicativos de que está chegando a hora. Não só autoridades, como diretores do Banco Central Europeu (BCE) e o próprio ministro das Finanças da Grécia, já falam, com desenvoltura, na possibilidade. O processo de lenta agonia a que as lideranças políticas europeias têm imposto à Grécia - e por contágio às economias superendividadas da zona do euro - produz ele mesmo um estreitamento de alternativas.
São dois os tabus que estão sendo paulatinamente quebrados com o desenrolar da agonia grega - e ambos se revelam logicamente interligados. O primeiro é o de que reestruturações de dívidas soberanas devem ser evitadas a qualquer custo. O segundo remete à constatação de que, no quadro atual, é possível estimular investimentos, recuperando economias com dívidas e déficits muito além do razoável, com programas draconianos de austeridade fiscal.
Só os mais refratários ainda permanecem de olhos fechados diante do que, a essa altura, pode ser considerado o melhor desfecho para a crise - ou seja, uma reestruturação organizada das crises de dívida das economias europeias. Numa de suas últimas colunas, Martin Wolf, o comentarista principal do Financial Times, observou que a reestruturação da dívida grega não é mais "uma questão de se", mas de quando. Esse "quando", porém, não pode demorar. A demora atropelaria o calote organizado - espécie de política de redução de danos -, dando lugar a um salve-se quem puder.
A quebra dos tabus se deve a convicções que foram ganhando corpo, ao longo dos últimos meses. Elas encorparam a partir de uma combinação de fatores derivados da hesitação europeia em adotar opções menos ortodoxas e os custos - financeiros e políticos - que essa hesitação crescentemente tem produzido. Hoje são poucos os que ainda não se convenceram de que, para nenhum de seus membros, o abandono do euro é uma alternativa viável.
No caso de uma economia fraca, como a da Grécia - ou de seus vizinhos igualmente combalidos, como Portugal, Irlanda, Espanha e Itália -, já se entendeu que a saída da União Europeia e a troca do euro pela velha moeda local não facilitaria muita coisa. A possibilidade de desvalorizar o câmbio e tentar a sorte no mercado externo seria fragorosamente atropelada por um surto inflacionário, em meio a crises bancárias e falências de empresas. Estima-se que as perdas, no primeiro ano, equivaleriam à metade do PIB nacional.
Esse desenrolar não é muito difícil de entender, mas o interessante é que se alastra a percepção de que abandonar o euro também não seria saída para as economias mais fortes, como a da Alemanha. O quadro mais provável de uma decisão desse tipo, para uma economia como a alemã, seria o de redução da competitividade nas exportações e de valor nos ativos bancários no exterior. No fim do primeiro ano, as perdas equivaleriam a um quarto do PIB.
A deterioração da situação afunilou de tal maneira as saídas possíveis que não será surpresa se um plano de reestruturação da dívida grega já estiver assando no forno das autoridades da zona do euro. No fim de semana, circularam rumores de que os governos europeus trabalhavam na formação de um alentado bolo de 2 trilhões, para enfrentar as consequências e repercussões além da Grécia de um calote grego, que envolveria metade de sua imensa dívida de 350 bilhões - valor equivalente a 150% do PIB grego.
Embora as negativas oficiais não tenham mudado de tecla, o calote grego aparece mais e mais como favas contadas. Não é por outro motivo que a verdadeira preocupação geral do momento se concentra na sustentação dos bancos. Os títulos da dívida soberana que carregam já não valem o que está escrito no papelório contabilizado a valor de face. Os rebaixamentos em série promovidos pelas agências de classificação de riscos são a antessala do que ocorrerá com o anúncio do calote.
O mais dramático é que não se trata apenas da dívida da Grécia ou mesmo da exposição exclusiva de bancos europeus. Para aguentar o tranco, estes últimos necessitariam de um montante de dinheiro que, de acordo com as diversas estimativas, varia de U$$ 300 bilhões a US$ 1 trilhão. Mas, e os bancos americanos, por exemplo, que estão expostos em cerca de US$ 500 bilhões nos cinco países encalacrados da zona do euro?
Compreende-se o quanto deve ser custoso para o BCE, instituição de DNA tão conservador, se ver no papel de emprestador de recursos ilimitados a um sistema bancário que não conseguiu conter ou regular riscos. Mas este, novamente são poucos os que ainda duvidam, será um outro tabu que essa crise quebrará.
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