FOLHA DE SP - 21/09/11
A ausência de atitudes flexíveis de Israel e dos EUA traz risco de nova "intifada" nos territórios ocupados
MANTIVE, DURANTE minha gestão como embaixador em Washington, cordiais relações com o então embaixador da Arábia Saudita, Turki al Faisal, um influente membro da família real, ex-chefe do Serviço de Inteligência e ocupante de altos cargos governamentais.
Reencontro seu nome, agora, como assinante de um inusitado e insólito artigo publicado na imprensa dos EUA e outros países, inclusive o Brasil.
O artigo, intitulado "Se vetarem um Estado, perdem um aliado", chama a atenção por ser um verdadeiro ultimato, redigido em termos enfáticos, agressivos e até ameaçadores, ao governo norte-americano.
Turki afirma que os EUA "têm a obrigação" de apoiar o pleito palestino pelo reconhecimento como Estado. Que em caso contrário a Arábia Saudita não mais poderá manter sua "histórica relação especial" com os EUA.
Depois de lamentar que a administração Obama tenha deixado de oferecer "novas propostas viáveis" para a solução da questão palestina, reitera ser "crucial" o endosso americano ao Estado palestino, sob risco de que um veto norte-americano no Conselho de Segurança da ONU provoque "profundas consequências negativas [...] levando a uma grita geral entre os muçulmanos no mundo inteiro".
Termina por dizer, brutalmente, que se os EUA não quiserem apoiar o pleito palestino, pelo menos "saiam da frente" e não atrapalhem os esforços da Arábia Saudita e de outros países árabes moderados.
O artigo, saído antes da sessão da Assembleia Geral da ONU, não fica só na hipótese de um sério abalo no relacionamento dos EUA com um de seus principais aliados no mundo árabe -surge quando nuvens negras pairam sobre o Oriente Médio a propósito da questão palestina e no contexto da crescente instabilidade e imprevisibilidade acarretadas pela Primavera Árabe e a deterioração das relações entre Israel e países como Egito e Turquia.
Quando a agora liberada opinião pública nos países árabes dá vezo a seus -compreensíveis- sentimentos negativos em relação a Israel, por conta de sua política expansionista e intransigente. E quando a moderada democracia islâmica na Turquia passa a projetar uma renovada influência sobre a região.
Ancara chega a acenar com o recurso a medidas como a mobilização de sua Marinha para proteger barcos dirigidos a Gaza.
As crises no Iraque, Síria, Iêmen, Líbia, somadas à inquietação popular nos países do Golfo -inclusive na própria Arábia Saudita- podem levar a um ponto de ebulição as tensões na região. A gravidade da situação não pode ser subestimada.
Na provável ausência de posturas mais flexíveis da parte de Israel e dos EUA, há risco de que se precipite uma nova "intifada", a rebelião civil nos territórios ocupados. Ou mesmo de choques militares.
Por indesejável ou impensável que seja, se apresenta nesse contexto o risco de um novo conflito no Oriente Médio. O incêndio que lá lavra precisa com urgência ser contido, com mais razão pelos efeitos devastadores que teria sobre uma já combalida economia internacional.
Bem faz o governo brasileiro em apoiar a causa palestina, sem prejuízo de seu compromisso com a sobrevivência e bem-estar de Israel.