- 19/08/2011
Só atribuindo à presidente Dilma Rousseff insuspeitados poderes maquiavélicos, no sentido comum do termo, é que se poderia acreditar que ela tramou por debaixo dos panos a queda do ministro da Agricultura, Wagner Rossi, para afastar do seu governo a crescente sombra de mais um escândalo de corrupção. Na realidade, a presidente tinha todos os motivos - descontada a ética pública - para manter na pasta o veterano político peemedebista, unha e carne do vice Michel Temer, o dirigente de facto da agremiação. Afinal, o seu reiterado endosso ao colaborador que ela chegou a considerar "exemplar" enriqueceu o cardápio da reunião de congraçamento com a cúpula do partido, na presença de expoentes do PT, segunda-feira à noite, menos de 48 horas antes de Rossi escrever as 940 palavras de sua prolixa carta de demissão.
O atestado de confiança no ministro - praticamente coincidindo, por sinal, com o início das investigações da Polícia Federal (PF) sobre as revelações da imprensa de corrupção no seu setor - completava as juras de aproximação com o PMDB, que deixaram encantados os interlocutores da presidente. Segundo Temer, que acompanhou o velho amigo na entrega do cargo, Dilma pediu-lhe com insistência que mudasse de ideia. Não há por que duvidar da sinceridade do apelo. O que teria se passado, então? Basicamente, correm duas versões para a decisão de Rossi. A mais difundida é que ele não aguentou o tranco quando, já não bastasse a entrada da PF no caso, o Correio Braziliense noticiou que usava o jatinho de uma empresa de Ribeirão Preto, seu reduto eleitoral, credenciada pela Agricultura, na primeira gestão Rossi, a produzir vacinas contra a aftosa.
O "fato novo" que assombra todos os enredados em acusações de ilícitos provou mais uma vez ser a gota d"água, ao reforçar as pressões da família, que já vinha sendo hostilizada em razão das denúncias, para que largasse a pasta. A segunda versão, de que se fala à boca pequena e que não contradiz necessariamente a anterior, sustenta que as partes interessadas passaram a recear que o escândalo na Agricultura, além de outros que Rossi teria em seu passivo, quando dirigiu as Docas em São Paulo, também por indicação de Temer, poderiam respingar no vice-presidente. A acreditar nessa hipótese, Temer não teria ficado nem um pouco surpreso com o ato de Rossi, se é que não o induziu a isso. O registro das avaliações importa por dois motivos. De um lado, contribui para dissociar Dilma da renúncia, ainda que lhe convenha que a parcela da opinião pública que só lê as manchetes acredite realmente que ela mandou embora quatro ministros em oito meses para moralizar o governo.
De outro lado, porque, apesar da alegação de Rossi de que as suspeitas contra ele foram plantadas por "um político brasileiro" interessado em prejudicar o PMDB em São Paulo - a alusão ao tucano José Serra é óbvia -, comprova o vigor da imprensa livre no País e das instituições de defesa do interesse público, no caso, a Polícia Federal. Bem que a presidente disse dias atrás ter "excelentes motivos" para confiar nelas. Politicamente, a demissão não parece tê-la prejudicado junto à base parlamentar que ela enfim começou a cercar de cuidados. Tão logo Rossi se foi, a presidente fez saber a Temer que a vaga seria de quem quer que o PMDB indicasse. A bancada federal escolheu o líder do governo no Congresso, por sinal nomeado não faz muito, deputado Mendes Ribeiro. Ele foi o único peemedebista no Rio Grande do Sul a mergulhar na campanha presidencial de Dilma. A sua ida para a Agricultura trará de volta à Câmara um veterano quadro da sigla no Estado, Eliseu Padilha, suplente de Ribeiro (e desafeto do grão-petista gaúcho Tarso Genro).
Para Dilma não deixa de ser um bom negócio, apesar da turbulência. Rossi, afinal, era o homem de Temer no governo. Ribeiro tem atrás de si uma bancada de 80 deputados, menor apenas que a do PT e que tanto vinha reclamando da desatenção da presidente. Para o País, enfim, a saída de Rossi é uma evidente boa notícia. Nada do que ele disse em resposta às acusações de que foi alvo restaurou o que antes pudesse ter de autoridade moral para seguir ministro.