segunda-feira, julho 25, 2011

Quando o absurdo se torna realidade Antonio Penteado Mendonça

O ESTADÃO - 25/07/11
A Bolívia acaba de baixar norma que permite a regularização da propriedade de todos os veículos sem documentos, ou seja, que entraram ilegalmente no país

A razão de ser de um país é permitir o desenvolvimento pacífico de sua sociedade, através da adoção de regras e valores que sirvam de mola propulsora às soluções para suas necessidades, dentro de um território delimitado e reconhecido internacionalmente como pertencente a ele.

Um país precisa regras claras para atuar no campo interno e externo, se desenvolvendo e dando condições para que a sociedade progrida em segurança, de forma justa e capaz de oferecer padrão de vida digno.

Não cabe aqui reinventar a "Declaração Universal dos Direitos Humanos". A ONU já tem isto sistematizado de forma objetiva e compreensível para todos.

Aliás, o mundo assiste um forte movimento em prol da democracia e da liberdade individual, especialmente nos países árabes, onde ainda ontem vigoravam ditaduras extremamente duras.

Ao longo das últimas décadas, a América Latina vem passando por um importante movimento de consolidação democrática e desenvolvimento socioeconômico que tem modificado o padrão de vida das populações de toda a região.

Na vanguarda do movimento, Brasil, México, Chile e Peru experimentam taxas de crescimento que os torna exemplos de soluções adequadas à realidade de cada nação, permitindo significativa mudança para melhor dos padrões sociais.

É verdade que como sói acontecer, há também os países que se desenvolvem mais lentamente, quer por questões de ordem ideológica, quer por questões de estágio de amadurecimento de sua sociedade.

Respeitar estas diferenças e mesmo as divergências políticas ou ideológicas não é mais que conviver dentro das regras indispensáveis para o bom andamento do planeta e as boas relações entre os povos.

O que não é possível é aceitar que as regras de direito internacional que balizam a convivência entre os países sejam desconsideradas, sem que haja uma razão muito forte. É isto que o governo boliviano acaba de fazer.

E é contra isto que a diplomacia brasileira deve entrar em ação, exigindo do país vizinho o respeito mínimo e indispensável aos pressupostos que regulamentam o direito internacional.

A Bolívia acaba de baixar norma que permite a regularização da propriedade de todos os veículos sem documentos, ou seja, que entraram ilegalmente no país.

Vale dizer, a nação vizinha em franco acinte aos mais comezinhos princípios de direito, simplesmente acaba de autorizar que todos os bolivianos que possuam veículo sem documento - que são aqueles que foram roubados ou furtados em outros países e levados para lá - mediante um pagamento ao governo, regularizem a situação do bem, tornando-se o seu dono, inclusive com a entrega do competente certificado de propriedade.

Estimam que com esta medida o governo boliviano deve faturar um valor acima de 500 milhões de dólares. Não há duvida, é muito bom para eles. Mas como ficam os verdadeiros proprietários que tiveram seus carros roubados ou furtados e levados ilegalmente para a Bolívia?

Fica o dito pelo não dito? Com a entrega dos certificados de propriedade esquentando os veículos roubados, não há mais como reclamar a devolução do bem. Regularizados, os antigos proprietários ou suas seguradoras não podem mais exigir que os carros sejam devolvidos a eles, já que, por um ato do governo da Bolívia, os legítimos proprietários, agora, são quem os detinha de forma irregular.

Com certeza, milhares dos veículos que estão sendo regularizados na Bolívia foram roubados ou furtados no Brasil. Parte tinha seguro, parte não. De todas as formas a decisão boliviana vai custar caro. Ao autorizar o registro dos veículos ilegais, o governo boliviano dá um passo importante no suporte ao roubo de veículos, ao tráfego de drogas e ao contrabando de armas.

Se o governo brasileiro não fizer pressão para evitar a consolidação desta barbaridade quem vai pagar a conta somos nós, proprietários de veículos, com e sem seguros.

SÓCIO DA PENTEADO MENDONÇA ADVOCACIA, PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E COMENTARISTA DA RÁDIO "ESTADÃO ESPN"