O GLOBO - 18/07/11
Que raciocínio tosco o de Lula ao traçar um paralelo entre gastos do governo com anúncios em rádio, televisão e jornal, e gastos com patrocínio de congressos como o da União Nacional dos Estudantes (UNE) realizado na semana passada, em Goiânia. Lula sabe que feijoada com paio nada tem a ver com Cid Sampaio. Mas aposta na ignorância alheia.
Cid Sampaio foi um político da extinta União Democática Nacional (UDN). Governou Pernambuco entre 1959 e 1963. Químico industrial e usineiro, opôs-se ao golpe militar de 1964, mas em seguida aderiu à Arena, partido do governo. Se elegeu deputado federal. E, mais tarde, como suplente, assumiu uma vaga no Senado.
Entrou nessa história por causa do paio, que ganhou lugar aqui por causa da mania de Lula de apelar para falácias. Por que o governo
gasta muito dinheiro com anúncios? Ora, para “vender suas realizações”. Em muitos casos, para contar também com a boa vontade de uma imprensa servil, colaboracionista e chapa-branca.
Anunciar, portanto, atende aos seus interesses — dos legítimos aos inconfessáveis. Um veículo de comunicação só pode se comportar com independência, exercendo seu papel de fiscal rigoroso dos poderes públicos e privados, se for economicamente independente. É uma pena que por toda parte tão poucos de fato o sejam.
Mas desses, registre-se, não se queixam políticos como Lula. Pelo contrário. Queixam- se, sim, daqueles que não podem controlar de um jeito ou de outro. Daqueles que não se orientam por sua cartilha ideológica. Daqueles que acertando ou errando teimam em tentar
corresponder às expectativas do distinto público.
A presidente Dilma Rousseff tem demonstrado compreender melhor do que Lula para que serve a imprensa. Um governo sábio tira partido das críticas da imprensa para tentar governar melhor. Um governo sábio enxerga na imprensa um aliado e aproveita suas denúncias para corrigir o que anda mal.
Quanto ao Congresso da UNE... O dinheiro gasto com ele por ministérios e empresas estatais atende a um único e censurável objetivo: o de manter sob rédea curta, curtíssima, a mais conhecida das entidades estudantis. Cooptá-la já não é mais preciso. Cooptada ela já foi desde que chegaram ao poder os partidos que a dominam.
Até o golpe militar de 1964, a UNE frequentava os salões da República, mas não era sócia dos seus donos. A eles se opunha com alguma frequência e com maior ou menor virulência. Talvez por isso fosse respeitada e temida. Mais de uma vez os presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, por exemplo, foram obrigados a negociar com ela.
Formalmente extinta pelo golpe, a UNE sobreviveu ao incêndio de sua sede no bairro do Flamengo, no Rio, articulou-se com o resto da oposição e liderou em todo o país gigantescas manifestações de massa contra o regime dos generais. As reivindicações específicas dos estudantes cederam a vez à reivindicação coletiva por liberdade.
Em 2003, o partido que manda na UNE há décadas, o PCdoB, subiu a rampa do Palácio do Planalto junto com o PT de Lula. E foi a partir daí que a UNE esqueceu a sua história e vendeu a sua alma. Apequenou-se. Acabou entrando para o elenco dos chamados “movimentos sociais”, todos eles alimentados por verbas do governo.
A lei da anistia só prevê reparações de caráter pessoal a familiares e vítimas da ditadura de 64. O governo Lula aprovou outra lei no Congresso para permitir que a UNE recebesse a título de reparação uma bolada de R$ 44,6 milhões destinada à construção de sua nova sede – um prédio de 13 andares, projetado por Oscar Niemayer.
Hoje, a UNE, que em 1940 defendeu o fim da ditadura do Estado Novo, que em 1942 pregou o apoio aos Aliados contra o nazismo,
que em 1956 combateu nas ruas do Rio o aumento do preço da passagem dos bondes, e que no início dos anos 60 criou o Centro Popular de Cultura, não passa de uma fotografia desbotada pela ação do tempo.