Em sua obra menos conhecida, Teoria dos Sentimentos Morais, de 1759, o britânico Adam Smith, o pai da moderna ciência econômica, alinhavou os contornos de um volátil poder emanado dos cidadãos, batizados quase dois séculos antes pelo pensador humanista francês Montaigne de "opinião pública". Na França absolutista de Montaigne, o que o povo pensava e como expressava seu desagrado pouco influía nos destinos do país, até que tudo mudou com a eclosão da Revolução de 1789. Na Inglaterra de Smith, a opinião pública já havia conquistado, como ele notou, força suficiente para "obrigar os governantes a governar em favor da felicidade do maior número de pessoas". Três reportagens desta edição de VEJA mostram como a opinião pública - ou o medo dela - vem se tornando um fator ainda mais determinante na contenção dos impulsos malsãos de governantes e grupos econômicos poderosos.
A primeira delas relata como o impulso precipitado do BNDES de colocar bilhões de reais de dinheiro do contribuinte em um negócio privado, a fusão do Grupo Pão de Açúcar com seu concorrente francês Carrefour, foi revertido ao cabo de poucos dias de repercussão extremamente negativa. A segunda reportagem revela como o receio de que a massa dos cidadãos a condenasse foi decisivo para que a presidente Dilma Rousseff mantivesse a demissão de Luiz Antonio Pagot da direção do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), um foco de corrupção, conforme noticiou VEJA duas semanas atrás. Pensou-se em poupar Pagot da limpeza ética no Ministério dos Transportes, mas o Planalto avaliou que pegaria muito mal junto à opinião pública. Por fim, a terceira reportagem narra como o australiano Rupert Murdoch, o magnata multinacional da imprensa, desistiu da compra do controle da maior operadora de televisão por satélite da Inglaterra, a BSkyB, depois que se descobriu que um de seus jornais sensacionalistas foi flagracio em crimes de espionagem e compra de informações policiais. Diante da indignação geral, Murdoch fechou o jornal e teve de engolir suas ambições televisivas.
A imprensa tradicional, que apura exaustivamente os fatos, esmiúça a realidade, fiscaliza o poder e denuncia os malfeitos, encontrou na internet uma caixa de ressonância que deu à opinião pública dos países democráticos - e quem sabe até mesmo àquela subjugada por ditaduras - a oportunidade de manifestar-se permanentemente, e não só no período de eleições. É uma novidade que tende a fazer cada vez mais diferença em favor da transparência e do combate à corrupção. Tanto é assim que os governos, em diversos níveis, realizam pesquisas quase que diárias para avaliar o impacto de decisões já tomadas e tentar antecipar como outras repercutirão - e já não é tão raro que mudem de direção quando percebem sinais de desagrado da opinião pública. Mais um importante avanço da democracia.