Para o ex-ministro da Fazenda, inflação continua elevada e economia cresce além do desejado
Ainda que considere improvável um calote da dívida nos Estados Unidos, o consultor e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega avisa que o mundo pagará caro, caso a oposição ao presidente norte-americano, Barack Obama, não avalize o aumento do teto do endividamento. "O Partido Republicano está brincando com fogo", diz. Ele ressalta que as incertezas em relação aos EUA vêm se somar a um quadro cada vez mais imprevisível na Europa, que está prestes a assistir a um calote na Grécia. Não à toa, os mercados financeiros estão enlouquecidos. A seu ver, por mais fortalecido que o Brasil esteja hoje, terá sequelas pesadas se a economia global mergulhar em uma nova crise. Para o ex-ministro, a despeito das incertezas externas, o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentará a taxa básica de juros (Selic) pelo menos mais duas vezes, sendo, provavelmente, 0,25 ponto na próxima quarta-feira. Em meio a um horizonte de turbulências, ele aconselha a presidente Dilma Rousseff a retomar a agenda de reformas, como a previdenciária e a tributária, para ampliar a capacidade de crescimento do país. Na avaliação de Maílson, o governo deu um passo importante com a transferência das concessões de aeroportos à iniciativa privada. Agora, avisa, chegou a hora de se fazer o mesmo com as rodovias, já que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) "não é solução" para destravar os nós da infraestrutura. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que o economista deu ao Correio Braziliense.
Brasil não sairá ileso de outra crise global
As dificuldades políticas dos Estados Unidos em fixar novo teto para a sua dívida pública
podem levar a maior economia do planeta ao colapso?
Os EUA têm de elevar o teto da dívida para além dos US$ 14 trilhões. Isso é óbvio. O tema é complexo e deve ser analisado sob vários aspectos. A oposição ao presidente Barack Obama, concentrada no Partido Republicano, está brincando com fogo. Ficou claro que os parlamentares oposicionistas estão forçando uma situação extrema, obrigando a Casa Branca a fazer um improvável ajuste fiscal em uma época de baixo crescimento econômico e de desemprego elevado. Talvez eles não estejam calculando bem o instante limite, antes de o país cair no precipício. Sem espaço para manobrar o retorno, todos saem perdendo. Curiosamente, os EUA são um dos poucos casos no mundo em que o Legislativo autoriza aumento de gastos sem que isso represente, implicitamente, sinal verde para a alta do nível de endividamento. Acredito que, mesmo nesse cenário crítico, a probabilidade de o governo norte-americano dar calote ainda é baixíssimo, levando-se em conta o peso da economia e eventuais espaços para remanejar o Orçamento federal.
O mundo pode mergulhar em uma nova crise, maior que a de 2008?
A palavra-chave para se entender como as grandes crises mundiais transcorrem hoje é coordenação. Governos e sistemas financeiros respondem rapidamente e de forma articulada aos desafios colocados pela economia global. Mesmo com o novo papel conquistado pelos emergentes, que vão liderar o crescimento econômico nos próximos anos, os chamados países centrais continuam sendo fiadores da solução dos terremotos macroeconômicos. No caso recente da Grécia, ficou claro como uma questão fiscal colocou em xeque a economia do bloco europeu. O perdão da dívida grega tornou-se inevitável. Por ter sofrido no passado diversos choques externos, o Brasil é hoje muito mais resistente a essas ameaças globais que as maiores economias. Mas, de toda forma, uma eventual quebradeira de bancos afetará o país. O cenário pessimista agora é de uma recessão no Primeiro Mundo e o pior deles é uma improvável desaceleração maior da China. Com um horizonte tão incerto, o melhor é estar preparado para tudo.
Apesar dos riscos externos, os juros têm que subir no Brasil? Por quê?
Creio que o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentará a taxa Selic pelo menos mais duas vezes, fechando o ano entre 12,75% e 13%. Ao contrário do que previa a visão otimista do Banco Central, as pressões inflacionárias continuam fortes, oriundas de uma atividade econômica ainda aquecida. Basta ver o comportamento dos preços dos serviços, que, em 12 meses, acumulam alta de quase 9%.
Como o senhor vê as propostas de austeridade do Congresso para o Orçamento de 2012, a exemplo da meta para o deficit nominal do governo em 0,87% do PIB?
O Congresso resolveu agir contra a deterioração da política fiscal, particularmente nos últimos dois anos. Infelizmente, a proposta de um deficit de 0,87% do PIB para 2012 é irrealista, a não ser que esteja contando com uma forte queda da Selic, que não parece ser o caso. Tampouco é boa a norma que prevê que os gastos de custeio não possam crescer mais do que os de investimentos. A rigor, se ambos crescessem além da conta, mas os de custeio se expandissem em menor ritmo, a regra estaria cumprida. Melhor teria sido falar em gastos correntes, um conceito mais amplo. O lado bom das propostas é estabelecer que os recursos do Tesouro para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passem pelo Orçamento. Não se pode admitir a continuidade da deterioração de princípios sadios de finanças públicas no suprimento descontrolado de recursos do Tesouro para o banco de fomento. É preciso, além disso, estabelecer que os subsídios que o BNDES concede para criar os chamados campeões nacionais constem de dotação específica.
O Brasil conseguirá ampliar os investimentos em infraestrutura e, assim,
amparar o crescimento econômico e reforçar a sua competitividade?
É uma necessidade elevar os gastos com investimentos. Aplicamos cerca de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em infraestrutura e precisaríamos voltar aos níveis dos anos 1970, cerca de quatro vezes mais. Isso seria possível com um amplo programa de concessões à iniciativa privada, que poderia contribuir com mais da metade dos recursos novos. Ficou claro que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), responsável por 0,6% dos investimentos, não é solução. Seus projetos sofrem atrasos de toda ordem, têm problemas de engenharia e, sobretudo, estão em descompasso com a velocidade da economia. Além disso, mais da metade do pacote está concentrada na Petrobras e no Minha Casa, Minha Vida. O PAC corre o risco de se resumir a esses dois esforços. Vejo como um sinal de esperança o recente anúncio de transferência de concessões de aeroportos à iniciativa privada e o estudo de licitar portos. O ideal mesmo seria o governo revisar o tardio e equivocado plano de concessão de rodovias.
A presidente Dilma Rousseff conseguirá levar até o fim as reformas que propôs na campanha, como a tributária?
Sou cético nessa questão. Há ainda muita resistência política deste governo, que é uma continuação do anterior, em promover as grandes reformas de uma conhecida agenda brasileira de desenvolvimento. Infelizmente, completaremos 16 anos sem reformas, caso o PT seja reeleito em 2014. A reforma tributária exige um novo pacto federativo e muita vontade política do Palácio do Planalto. A visão ideológica equivocada do governo também impede concessões de infraestrutura em larga escala, como seria o desejado. Até acredito que as perspectivas da economia brasileira são muito boas, em um cenário internacional de incertezas e riscos inflacionários no país absolutamente controláveis. Mas poderíamos estar crescendo bem mais e de forma sustentável nesta trajetória rumo ao clube dos países desenvolvidos. Não há saída senão identificar prioridades e empenhar-se nelas.