O GLOBO - 22/06/11
Embora seja inegável que houve uma tendência de queda da desigualdade da renda no Brasil durante o governo Lula, essa redução da desigualdade é fenômeno praticamente generalizado na América Latina no período 2003-08. O Brasil experimenta melhora apenas marginal na sua posição no ranking mundial dos países com maior grau de desigualdade, entre meados da última década do século XX e meados da primeira década do século XXI, já que sai da 4ª posição no ranking mundial dos países mais desiguais para a 5ª posição.
No conjunto dos países que mostram melhores resultados quanto à redução da desigualdade, o Brasil ocupa a 3ª posição, atrás da Venezuela (projeto de orientação socialista) e do Peru (projeto liberal), o que demonstra que os programas sociais não encontraram barreiras ideológicas à sua execução.
Essas são algumas das conclusões do trabalho "Redução da desigualdade da renda no governo Lula - Análise comparativa", do professor Reinaldo Gonçalves, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O estudo baseia-se em painel de 12 países da América Latina: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.
As variáveis para análise são o coeficiente de Gini, que mede a distribuição de renda e varia de 0 (completa igualdade) a 100 (máxima concentração); e a renda média per capita dos domicílios dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres, de acordo com dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
No painel de 12 países, somente Honduras não teve redução dos índices de desigualdade. As maiores quedas do coeficiente de Gini ocorreram na Venezuela, no Peru e no Brasil, enquanto as maiores reduções na comparação entre a renda média dos 20% mais ricos e os 20% mais pobres aconteceram na Bolívia, na Venezuela e no Brasil.
Embora tenha ocorrido queda da desigualdade, de modo geral, os países da América Latina continuam com coeficientes de Gini muito mais elevados do que a média mundial.
Por exemplo, na primeira década do século XXI, o coeficiente médio de Gini para os países do painel é de 51,6 enquanto a média mundial é de 39,5.
Brasil, Honduras, Bolívia e Colômbia têm os mais elevados coeficientes de desigualdade na América Latina, que tem, na média, elevados coeficientes de desigualdade pelos padrões internacionais.
O professor Reinaldo Gonçalves diz que a evidência empírica disponível aponta para dois fatos marcantes na América Latina na primeira década do século XXI.
O primeiro é o comportamento pró-cíclico da renda da região, que acompanha as fases do ciclo econômico internacional: a fase descendente em 2001-02, a extraordinária expansão de 2003 até meados de 2008, a crise de 2008-09 e a recuperação em 2010.
Esse fato é determinante da evolução dos indicadores de desigualdade. No período 2001-10, os países do painel que têm taxa de crescimento do PIB real per capita acima da média são Peru, Argentina, Uruguai, Equador, Chile e Colômbia.
O Brasil tem taxa média anual de crescimento do PIB real per capita de 2,2%, inferior à média do painel.
O segundo fato relevante é a tendência de queda da desigualdade da renda na região. Após elevação em 2000-02, a queda é evidente no período 2003-08, que marcou a fase ascendente do ciclo econômico internacional.
Para os países do painel, a média do coeficiente de Gini cai de 55,1 em 2002 para 51,0 em 2008. No entanto, em 2009 há reversão da média do coeficiente de Gini, que aumenta para 51,3.
Os países que têm os maiores graus de desigualdade são os mesmos nas últimas duas décadas: Colômbia, Bolívia, Honduras, Brasil, Paraguai e Chile.
Nesse período houve algumas mudanças de posição relativa: por exemplo, o Brasil passou da mais elevada desigualdade em meados dos anos 1990 para a 4ª posição no painel na primeira década do século XXI.
Apesar de haver queda da desigualdade na América Latina na primeira metade do século XXI, os países da região continuam com os mais elevados indicadores de desigualdade de renda no mundo.
Em meados desta década, quatro entre os cinco países com maior desigualdade estão na região (Colômbia, Bolívia, Honduras e Brasil), e no conjunto dos dez países mais desiguais há oito países latino-americanos.
Segundo Reinaldo Gonçalves, o imperativo da governabilidade e a perpetuação no poder são os determinantes principais das políticas redistributivas na região, independentemente do modelo econômico-político vigente em cada país.
As políticas redistributivas são funcionais na luta pelo poder político, mas, ressalta o trabalho de Gonçalves, sem mudanças estruturais, como a reforma tributária, por exemplo, as principais políticas redistributivas na América Latina, em geral, e no Brasil, em particular, seguem a "linha de menor resistência", visto que envolvem aumento do gasto público social e do salário mínimo real.
No período 2003-08, essas políticas foram condicionadas, em grande medida, pela evolução favorável da economia mundial, via afrouxamento da restrição das contas externas e das contas públicas.
A crise global em 2008-09 provocou reversão ou interrupção da tendência de queda da desigualdade na região, mas, ressalta o estudo, em 2009 a desigualdade diminui no Brasil como resultado do extraordinário crescimento do salário mínimo real e da expansão dos gastos públicos sociais no contexto do ciclo político e eleitoral, e da política de estabilização frente à crise global no período.