domingo, maio 29, 2011

O criador contra a criatura JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/05/11

Brasília emitiu uma demonstração de quanto é extensa a insatisfação com Dilma no Congresso


O CASO PALOCCI toma rumo apropriado, com os dois pedidos de explicação e de documentação que a Procuradoria da República enviou ao ministro, mas o conceito e a natureza da Presidência de Dilma Rousseff foram levados, não diretamente por seu multimilionário auxiliar, ao risco de perder o seu rumo.
Pior: os riscos da ação presidencial, já parcialmente atingida, incidem sobre a sua reformadora contribuição para reduzir as práticas de estilo mafioso que proliferam entre congressistas, ocupam o espaço das funções parlamentares e vão inviabilizando a democracia política.
Durante toda a semana que passou, Brasília emitiu uma demonstração eloquente de quanto é extensa a insatisfação com Dilma Rousseff na Câmara e no Senado. Por palavras e por atos, nem o PT a poupou de queixas irritadas e de represálias, ou ameaças de, em votações. Não sem motivo, considerada a maneira atual de conduzir-se como parlamentar -com as exceções realmente honrosas.
Se por uma face eram positivas, por outra as adesões feitas ou ameaçadas de "aliados" do governo à convocação de Palocci, senão mesmo de CPI, foram apresentadas com toda a clareza. São formas de exigir atendimento da Casa Civil às pretensões de parlamentares e de abertura do gabinete presidencial à frequência dos deputados e senadores da "base aliada".
Vários líderes de bancada, a começar do PMDB, comunicaram que "votariam o projeto do Código Florestal e depois mais nada", até que atendidos. Para demonstrar sua disposição, aprovaram a emenda, chamada por Dilma de "uma vergonha", que premia os grandes proprietários de terra onde se fizeram e se fazem os desmatamentos gigantescos.
A ampliação da revolta e das represálias e ameaças deve-se a um motivo simples: as nomeações e outros favorecimentos pretendidos pela voracidade dos parlamentares. Dilma, de fato, fechou as portas do Planalto tanto quanto possível.
As nomeações, se saem, tardam. Só uma ou outra é para o cargo pretendido pelo patrocinador do nomeado, e a troca nunca é para melhor. Como complemento, Dilma recusa-se a nomeações políticas para funções cuja eficiência requer formação específica -uma providência fundamental para recuperar alguns nacos da eficácia do Estado.
Acesso restrito: palácio do Executivo não é lugar de deputado e senador. Cujas obrigações estão no Legislativo ao qual pouco comparecem, e cada vez menos (os dois dias e meio de presença razoável na Câmara e no Senado já foram reduzidos, pelos empossados neste ano, a dois, no máximo).
Para questões próprias do parlamentar, há os ofícios e outros modos formais de comunicação com o Executivo. Deputado e senador sérios vão a palácio do Executivo quando solicitados. Afora isso, começa o motivo para suspeitas. Infalíveis, com maior probabilidade.
Senadores e deputados bem que podiam notar a equivalência da troca de apoio por favorecimentos, que são ganhos, à venda de segurança do governo nas votações parlamentares. E tal venda de segurança à que fazem as milícias e bandos nas comunidades. Ou à venda de segurança consagrada em Chicago-1920, Nova York e Miami. As modalidades variam com as circunstâncias, mas a prática e sua finalidade são equivalentes: o atendimento à exigência ou a represália.
Se o deputado ou senador vota em tal ou em qual sentido conforme o que recebe do governo, está traindo a representatividade que os eleitores lhe entregaram. O interesse do seu eleitorado está em um ou está em outro voto, e não em qualquer deles conforme a vantagem para o próprio parlamentar.
Mais grave: acima do interesse da parcela de eleitores, está o interesse do país. Única razão legítima, honesta e justificadora da existência do Congresso, de cada deputado e cada senador. Aquele que, por qualquer motivo, não se enquadra nesse princípio, está fazendo ao país o mesmo que faz ao seu eleitorado.
Lula foi a Brasília "para a defesa de Palocci". Fez um almoço político com os líderes de bancadas no Senado. Ouviu as acusações a Dilma. E explicou: "Ela não tem experiência nisso [convívio com os parlamentares], vou dar uns conselhos a ela". A narrativa é de um dos presentes.
Deu os conselhos, sim. E Dilma recebeu os primeiros parlamentares, já tem encontros coletivos marcados para os próximos dias, já sabe o que vai ser tratado e a resposta que lhe foi aconselhada. Produto daquela experiência de que fomos testemunhas por 8 anos. Ou, mais correto, por 16.
Dilma Rousseff põe na mesa, não se sabe se como trunfo ou como pagamento, o conceito e a natureza do governo Dilma Rousseff.