terça-feira, maio 24, 2011

O Brasil e o churrasquinho grego VINÍCIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/05/11

Em público, pelo menos, Luciano Coutinho tem sido o único integrante do governo Dilma Rousseff a pregar a desvalorização do real. Seus demais colegas meio que jogaram a toalha entre março e início de abril.
Vez e outra, o presidente do BNDES pede à equipe econômica medidas contra o real forte.

Algo assustada com a inflação, com o falatório a respeito e um tanto resignada com o alcance limitado de seus tiros contra o câmbio, a equipe econômica de Dilma preferiu por ora deixar o câmbio quieto.

Com o preço de commodities e recursos naturais em alta (combustível, comida, metais, minérios), uma desvalorização considerável do real implicaria um chute adicional nos preços. Além do mais, o próprio pessoal da Fazenda veio a público dizer que não pretendia fixar o valor do real numa banda de preços ou algo assim, mas evitar variações excessivas do câmbio. Por fim, houve uma baixa do real, que ameaçava ir a R$ 1,50 no início de abril, e agora coloca o nariz na casa de R$ 1,65.

Ainda assim, está difícil saber o que o governo cozinha a respeito de câmbio, e Coutinhoinsinua que o forno está ligado. Mas, francamente, seria prudente fazer qualquer coisa a respeito de câmbio agora, dado que o tempo da economia mundial está nublando e há icebergs boiando na neblina?

Considerem-se os aspectos mais conjunturais e externos da alta do real. Sob certo aspecto, um fator hipotético de desvalorização da moeda brasileira tornou-se menos provável. Se o Fed, o banco central dos EUA, decidisse enxugar logo o dinheiro que despejaram no planeta, haveria bidu, menos dinheiro sobrando para vir ao Brasil; juros mais altos atrairiam algum dinheiro de volta para os EUA. A provável contenção do preço de commodities e recursos naturais também seria um fator de desvalorização.

Mas a economia dos EUA anda rateando feio, e o fim do relaxamento monetário nos EUA parece adiado para algum dia de 2012.

Não obstante, a economia do mundo inteiro desacelera, o que segura preços de commodities. Além do mais, há icebergs à deriva no mar, as economias quebradas de Grécia e cia., na Europa. Isso vai dar em confusões variadas, uma delas sendo o solavanco nos mercados financeiros, no cambial inclusive, como se viu ontem mais uma vez.

Bancos e outros credores, além do Banco Central Europeu (BCE, na prática alemão) e o governo alemão, estudam um modo de manter a Grécia no limiar da vida, o suficiente para que ainda seja possível sugar o sangue grego pelo maior tempo possível. Mas uma olhada nos sinais vitais financeiros gregos indica que o país está em coma e em choque séptico, contagiando de Espanha a Portugal, passando pela Itália e espalhando germes pela Bélgica e pela debilitada Irlanda.

Isso não vai acabar bem, e a discussão agora é apenas como livrar bancos, BCE e outros credores de um calote grego muito feio. No momento, isso quer dizer um esticamento do prazo de pagamento.

No que diz respeito ao Brasil, isso vai dar em paniquitos nos mercados, variações cambiais, balançadas nos preços das nossas exportações, ameaças ao crescimento mundial. Difícil prever o saldo desses movimentos. Mas não parece ser hora de inventar nada em câmbio, política monetária ou coisa parecida.