quarta-feira, maio 25, 2011

Combustível no pasto ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SÃO PAULO - 25/05/11

A inflação no Brasil não resulta do aumento de uns poucos preços, mas de um processo disseminado 


PREOCUPADO com a reação popular ao aumento dos preços dos combustíveis, o governo, na figura do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, ordenou à Petrobras Distribuidora que reduzisse o preço da gasolina "entre 6% e 10%", conforme relato da imprensa. Além disso, o ministro anunciou que pretende elevar a participação da Petrobras na produção de etanol, para tentar regular também esse combustível. Essas medidas deveriam ser inaceitáveis numa economia de mercado. 
Desde os primórdios da teoria econômica, sabe-se que preços desempenham um papel central nas decisões de consumo e da produção. Preços crescentes de um determinado bem, por exemplo, enviam duas mensagens correlatas: "consumam menos" e "produzam mais". 
Essas duas ações em conjunto devem não só estabilizar os preços como também eliminar eventuais desequilíbrios; no caso em questão, sua elevação, ao reduzir o consumo e aumentar a produção, faz com que, eventualmente, essas duas grandezas se igualem. 
Isso dito, se esse mecanismo é, por algum motivo, atravancado, a simples dinâmica descrita acima fica irremediavelmente comprometida. Vejamos, para começar, o caso da gasolina. 
Não é segredo que, na esteira da elevação dos preços do petróleo, os preços internacionais dos derivados também têm aumentado. 
Nos países em que se permite que tais flutuações se transmitam aos preços domésticos, o consumo tende a se ajustar (a produção, ao menos no curto prazo, nem tanto). Obviamente, isso geralmente tem impacto (a princípio temporário) sobre a inflação, que não seria grande problema caso a política monetária mantenha a inflação próxima à meta. Em particular, no Brasil, o (enorme) intervalo de dois pontos percentuais deveria ser mais do que suficiente para acomodar tais choques. 
Contudo, como se decidiu permitir a priori que a inflação se aproximasse do limite superior, qualquer choque agora pode levar ao descumprimento da meta. Esse parece ser o motivo por trás da decisão de reduzir os preços domésticos, sinalizando "consumam mais", apesar dos elevados preços internacionais do produto. 
A ineficiência é óbvia: não só deixamos de economizar um recurso mais valioso como também tal decisão reduz as margens da Petrobras, dificultando sua tarefa de elevar a produção de petróleo e derivados. 
A isso se soma a proposta de aumentar o peso do governo na produção de etanol. Em nome de uma suposta segurança na oferta do produto, caso valha a experiência com a gasolina, não parece improvável que o governo passe a usar sua posição dominante para reduzir preços nos momentos em que a oferta esteja baixa, e a demanda, alta. O resultado desse comportamento pode ser ainda pior do que no caso anterior. 
De fato, esse tipo de política não apenas tende a incentivar o consumo no momento em que este precisa ser contido, mas, adicionalmente, desestimula a expansão da oferta. 
Que produtor, sabendo desse comportamento, se disporia a investir sob o risco de ver seu preço de alguma forma tolhido pelo governo? Pensando friamente, essa política, na prática, reduziria a segurança da oferta. A verdade é que a inflação no Brasil não resulta do aumento de uns poucos preços, mas se trata de um processo disseminado. 
Para lidar com um problema generalizado, por mais tentadoras que possam ser políticas que limitem o aumento de preços de uns poucos setores, é necessária a utilização de instrumentos que reduzam a demanda como um todo, de preferência pela redução do elevado consumo do governo. 
Se, em vez disso, o governo preferir interferir diretamente na formação de preços, numa reprise em escala reduzida do malfadado Plano Cruzado (que congelou preços há 25 anos), só elevará adicionalmente as distorções presentes na economia brasileira, sacrificando a eficiência econômica sem resolver, além do curtíssimo prazo, o problema inflacionário no Brasil.