terça-feira, abril 19, 2011

O corte que foi um aumento-Mary Anastasia O'Grady

Valor Econômico - 19/04/2011


Pode não ser de grande consolo para os americanos, mas Washington não
é o único lugar que emprega matemática nebulosa para tentar ocultar um
vício gastador. Os políticos brasileiros adotam táticas similares.

O economista Raul Velloso, um dos analistas mais confiáveis das contas
públicas compiladas por Brasília, discutiu um exemplo de manipulação
de dados, na semana passada, ao falar durante a 23º evento anual do
"Fórum da Liberdade", organizado pelo Instituto de Estudos
Empresariais, pró-livre mercado.

Velloso disse aos participantes que, quando o Ministério do
Planejamento da presidente Dilma Rousseff, do Partido dos
Trabalhadores, anunciou no início deste ano que iria cortar R$ 50
milhões (US$ 31 bilhões) das despesas previstas no orçamento para
2011, deixou os jornalistas e analistas em dúvida sobre se isso
significaria uma redução real nos gastos do governo em comparação com
ano anterior. Brasília não esclareceu o ponto. Assim, Velloso fez uma
rápida visita ao site do próprio Ministério da Fazenda para dirimir a
confusão. Ao comparar o novo número com os gastos efetivos em 2010 foi
fácil perceber, disse ele, que o tão propalado "corte" foi, na
realidade, um aumento de 9,5% nos gastos primários em 2011 (sem contar
o serviço da dívida).

A questão é que enquanto políticos possam tentar mascarar a realidade,
a internet e as exigências dos mercados de capitais internacionais
estão tornando mais difícil para o governo, aqui, esconder o que está
realmente fazendo. Essa realidade será importante para os brasileiros,
nos próximos meses, porque a inflação está acelerando e, sem uma
mudança no atual mix de políticas, é provável que ela continue em
alta.

Os problemas começaram com a decisão do ex-presidente Lula da Silva de
elevar os gastos do governo e de expandir o crédito por meio do banco
de desenvolvimento brasileiro, em 2010, como meio de estimular a
economia às vésperas da eleição presidencial. Isso funcionou. Sua
ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, venceu. Mas, agora, os
brasileiros estão pagando o preço.

Em março, a inflação anualizada atingiu 6,3%, em comparação com uma
meta de 4,5% fixada pelo Banco Central. Muitos analistas querem que o
governo combata a inflação reduzindo gastos do governo. Mas Velloso
disse-me que os salários do setor público e as transferências
governamentais - como aposentadorias por idade e programas sociais,
inclusive o Bolsa Família, hoje respondem por cerca de 75% dos gastos
primários do orçamento, e Dilma Rousseff não está evidenciando nenhum
interesse em cortar qualquer desses itens.

A única coisa inteligente a fazer seria deixar o câmbio valorizar, ver
a inflação e os juros caírem

Controlar salários e benefícios no setor público é importante para o
futuro do Brasil, mas pura austeridade não é a única saída para o
problema. Um real mais forte também atenuaria um crescente nível de
preços. E isso poderia facilmente ser conseguido, de todo modo, no
curto prazo. O problema é que a decisão de aceitar um real forte
implicaria repensar a política industrial brasileira. Aqui também,
Dilma Rousseff, ainda que se inclinasse para tanto, encontraria
resistência política.

O Brasil é hoje um competidor de classe mundial nos mercados de
recursos naturais. É um exportador líquido de petróleo e minerais e
também uma potência agrícola. Isso fez do país um destino privilegiado
para investimentos estrangeiros. É preciso também notar que uma razão
pela qual o país é tão competitivo em itens como a soja é que os
produtores foram autorizados a importar tecnologias de todo o mundo
para melhorar a produção. Como os dólares afluíram para o país, a taxa
de câmbio vem se fortalecendo.

No entanto, o real forte cria dificuldades para o setor industrial
brasileiro, porque os produtores domésticos dependem em grande medida
de uma moeda fraca para tornar seus produtos competitivos no exterior.
A razão pela qual isso ocorre, após seis décadas de política
industrial ostensivamente concebida para tornar o país ativo em nivel
mundial na indústria de transformação, é uma lição de como não abordar
o desenvolvimento econômico.

Níveis elevados de barreiras tarifárias e não tarifárias, que,
reconheçamos, são muito menores do que há duas décadas, apenas
tornaram os fabricantes menos capazes de competir nos mercados
externos. Sufocante regulamentação trabalhista, impostos elevados em
um complexo código tributário e a prática governamental de utilizar as
receitas de impostos para alimentar bases de apoio político, em vez de
reinvestí-las em infraestrutura também prejudica a competitividade
brasileira. O golpe final são altas taxas de juros, que,
paradoxalmente, são um subproduto dos esforços do governo para segurar
em baixa a inflação que o próprio governo cria com seus gastos. Essas
taxas elevadas atuam como um ímã, ao atrair capital especulativo,
elevando, assim, o valor do real. O Banco Central tentou lutar contra
isso comprando dólares. Velloso disse-me que o custo dessa intervenção
equivaleu a cerca de 1,4% do PIB em 2010.

Esse tipo de política econômica improvisada não é sustentável, caso o
Brasil queira reivindicar seu legítimo papel no mercado mundial. A
única coisa inteligente a fazer seria deixar o câmbio valorizar, ver a
inflação e os juros caírem e permitir que as empresas brasileiras
contratem, demitam, lucrem e importem conforme necessário para serem
competitivas. Os políticos não querem aceitar esse rito de passagem,
mas como aponta Velloso, o século XXI não lhes dará escolha.

Mary Anastasia O"Grady escreve sobre Américas no The Wall Street
Journal Americas