quarta-feira, abril 20, 2011

Déficit de seriedade na LDO-Rolf Kuntz

O ESTADO DE SÃO PAULO - 20/04/11

Há um grave déficit de seriedade no projeto da Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) enviado ao Congresso - o primeiro do governo da
presidente Dilma Rousseff. Ao contrário do déficit fiscal, esse não
aparece como resultado financeiro da execução do Orçamento. Aparece no
começo, como componente da elaboração da proposta. É parte de um
estilo de governo, implantado na administração anterior e ainda em
vigor, embora a nova gestão tenha dado inicialmente sinais de mudança.
O Executivo continua empenhado em operar com o máximo de conforto, o
mínimo de regras e nenhuma preocupação com itens como competência,
eficiência e qualidade - apesar, mais uma vez, das promessas da
presidente ao anunciar suas linhas de trabalho.

O governo tenta de novo impedir a interrupção de obras em caso de
indícios de irregularidades. A decisão, segundo a proposta, deve caber
à Comissão Mista de Orçamento. Além disso, tenta impor uma nova
disciplina ao Tribunal de Contas da União (TCU), limitando o poder dos
técnicos para apontar obras sujeitas a bloqueio. Pelo menos um
ministro do tribunal deve sancionar essa classificação. É mais um
capítulo de uma briga iniciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Até agora o Executivo só cuidou de contestar a fiscalização.
Nenhum esforço foi feito, seriamente, para melhorar os projetos, para
adequá-los às normas, nem para tornar mais eficiente a sua gestão.

O baixo grau de execução de projetos incluídos no Orçamento-Geral da
União é bem conhecido. Os desembolsos equivaleram a 64,5% do total
programado para 2010. O desempenho relativo a exercícios anteriores
foi pior: pagamento de 45,6% em 2007, 11,2% em 2008 e 56,3% em 2009. A
maior parte do dinheiro desembolsado correspondeu sempre a restos a
pagar. Os números foram organizados pela Contas Abertas, organização
especializada no acompanhamento de finanças públicas.

Só por alucinação ou má-fé seria possível atribuir esse desempenho
apenas a dificuldades criadas pelo TCU e pelos órgãos de proteção
ambiental. Além disso, o baixo grau de execução ocorre também na
administração indireta.

O exemplo mais comentado, neste momento, é a lentidão das obras de
modernização e ampliação de aeroportos para a Copa de 2014. Segundo
números do governo, atualizados até 23 de março, foram contratados só
R$ 294,5 milhões dos R$ 5,6 bilhões previstos. Efetivamente aplicados,
só R$ 137,7 milhões. Essa aplicação equivale a 2,5% do valor total
programado. O melhor resultado foi conseguido nas obras do Aeroporto
do Galeão, com investimento realizado de R$ 60 milhões - 8,7% do
previsto.

Essa lentidão afeta a maior parte do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC). Os balanços de execução têm sido inflados com
financiamentos imobiliários - incluídos empréstimos para compra de
imóveis usados. Para o chamado PAC orçamentário foram autorizados
entre 2007 e 2010 R$ 96,44 bilhões. O desembolso chegou a R$ 58,74
bilhões, 60,9% do investimento previsto. No primeiro trimestre de 2011
houve um recorde, com pagamento de R$ 5,5 bilhões, mas R$ 5,4 bilhões
eram restos de anos anteriores.

Apesar de tudo, o PAC é usado para disfarçar os problemas fiscais. O
governo tem sido autorizado a descontar da meta de superávit primário
os valores aplicados no programa. Desta vez foi pedida autorização
para abater até R$ 40,6 bilhões dos R$ 139,8 bilhões fixados como
resultado primário de 2012. O déficit de seriedade aparece, portanto,
em vários itens orçamentários, em geral interligados.

A miséria gerencial é em grande parte uma consequência do desmonte da
administração pública, confundido em alguns momentos com
democratização e modernização.

A demolição começou no governo Sarney. Avançou de forma desastrosa no
mandato do presidente Fernando Collor de Mello. Os tucanos ensaiaram
uma reforma administrativa, quase sem resultado prático. Suas
contribuições foram outras. Funções econômicas privatizáveis foram
privatizadas e a economia nacional ganhou com isso. A política
monetária foi restaurada. A responsabilidade fiscal virou lei e a
política econômica foi reconstruída sobre três fundamentos - metas de
inflação, câmbio flutuante e metas de superávit primário.

A gestão petista manteve o tripé, hoje um tanto instável, mas ao mesmo
tempo retomou a destruição da capacidade administrativa. Os quadros e
a folha de salários foram inflados, mas sem aumento da eficiência e da
qualidade. Em algumas áreas, o aparelhamento produziu desastres. O
avanço sobre a LDO é apenas mais um capítulo dessa história.