segunda-feira, abril 25, 2011

De nada vale ter desculpas idiotas sobre os salários dos CEOs - Lucy Kellaway

Valor Econômico - 25/04/2011


Acabo de passar a manhã fazendo uma coisa que me deixou entediada e
irritada. Estava lendo relatórios anuais, concentrada na parte em que
as empresas tentam justificar por que seu principal executivo ganha
tanto dinheiro. O que me irrita não é só o fato de a maior parte dos
presidentes-executivos ganhar mais do que valem- pois isso já acontece
há muito tempo.

Na verdade, é a quantidade cada vez maior de análises bajuladoras e
pseudocientíficas nas quais os números são hoje embrulhados. Tome por
exemplo o Barclays. Recentemente, a consultoria britânica Pirc, que
ajuda acionistas a votar, reclamou que o sistema de definição de
pagamentos do banco é muito complicado e os aconselhou a votar contra
o acordo de pagamento na assembleia.

Acabei de ler o relatório e não entendi nada sobre as metas de
desempenho, mas também não entendi nada de nada que estava nas 12
páginas dedicadas ao assunto. Alguns dos detalhes maçantes são coisas
que o banco precisava fornecer, mas o Barclays foi muito além disso.
Há um belo gráfico em "pizza" mostrando como o comitê de remuneração
passa seu tempo- assim, os acionistas ficam sabendo que ele dedicou 4%
dele a "outras atividades", comparado a 12% no ano anterior. A única
informação vital que não aparece é o número de cafés ou biscoitos que
o comitê consumiu durante o ano.

Entretanto, o Barclays é um modelo de concisão e clareza em comparação
à Hewlett-Packard (HP), cujo relatório foi sabiamente recusado pelos
acionistas. Ele consiste de 30 extraordinárias páginas de pigarros que
não conseguem esclarecer a sua "postura de seleção de seis níveis" ou
seus vários esquemas de incentivos. No fim, depois de aporrinhar o
leitor com detalhes, o relatório deixa escapar que Mark Hurd, que saiu
no ano passado depois de um escândalo, recebeu US$ 12 milhões em
dinheiro mais um monte de ações de presente.

Mas meu relatório favorito deste ano é o da Kraft, que tenta explicar
porque Irene Rosenfeld recebeu um bônus de US$ 2,1 milhões em troca de
não ter cumprido suas metas financeiras. Caso alguém seja simplista
demais para pensar que se você não cumpre meta não recebe bônus, o
relatório tira da cartola um grande número de motivos que a levaram a
receber um.

Alguns deles são pateticamente triviais- aparentemente ela se saiu bem
na responsabilidade social corporativa-, mas outros são mais
complicados. "Melhoria na produção de talentos através da retenção de
líderes da Cadbury", diz o relatório. Acho isso terrível, uma frase
tortuosa que significa que Rosenfeld persistiu com algumas poucas
pessoas graduadas da companhia. Essa não é a impressão que as pessoas
têm quando leem os jornais.

Mais sinistra ainda é a notícia de que o bônus de Rosenfeld se deve "à
melhora da representação da diversidade". Esta ideia- de que os
presidentes-executivos merecem receber mais quando promovem as
mulheres e as minorias étnicas- é grotesca. Primeiro, ela distorce a
questão da colocação das pessoas certas nos cargos certos. Segundo,
qualquer um que consegue encontrar algumas mulheres para contratar não
faz nada tão difícil e certamente não merece US$ 2,1 milhões por
assumir suas dores.

Você poderia dizer que, ao oferecer detalhes sobre o bônus de sua
presidente-executiva, a Kraft está sendo admiravelmente transparente.
Ou você pode dizer que o comitê de remuneração é esperto ao produzir
depois do evento uma lista de itens que eles conseguiriam referendar.

O que todos esses relatórios mostram é que o sistema de transparência-
tão querido das autoridades reguladoras- não está funcionando. A ideia
de produzir capítulos e versos parece sensível em tese; ela deveria
ajudar os acionistas a decidir se as somas conferidas aos executivos
são razoáveis ou não, e tornar mais difícil para as companhias pagar
demais aos seus principais executivos.

Mas isso não aconteceu em nenhum dos casos. Na verdade, todos esses
detalhes confusos podem estar tendo o efeito contrário. Se eu fosse um
acionista diante de tantas páginas chatas e confusas, que tentam se
desculpar pelo indesculpável, poderia ficar inclinada a concordar com
as proposições só pelo cansaço.

Isso me faz desejar a volta dos velhos e terríveis dias em que as
empresas simplesmente relacionavam as somas pagas às suas cúpulas.
Nenhuma explicação ou desculpa eram dadas. Os acionistas não tinham
ideia de como eles chegavam aos números, mas se formos levar em conta
as páginas e páginas de explicações que eu enfrentei esta manhã,
veremos que saí da experiência sem saber muita coisa.

Os números apenas, despidos de qualquer desculpa, certamente seriam
engolidos com mais facilidade- e mais difíceis de serem defendidos.
Eles poderiam ficar ainda mais complicados com a adição de outro dado:
a relação entre os salários da cúpula e dos funcionários de baixo
escalão.

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada
às segundas-feiras na editoria de Carreira