domingo, março 20, 2011

SUELY CALDAS A antirreforma de Dilma

O Estado de S.Paulo - 20/03/11


A expectativa de saírem do seminário "O Futuro da Previdência Social
no Brasil" ideias e propostas do novo governo para a Previdência foi
transformada em decepção, frustração e na lamentável sensação de que
privilégios e injustiças de um sistema desigual e caro para os
brasileiros serão mais uma vez postergados. Não serão corrigidos nos
próximos quatro anos e sabe-se lá quando surgirão um governante e um
Congresso dispostos a enfrentá-los. Na campanha eleitoral a candidata
Dilma Rousseff evitou falar em reforma. Limitou-se a defender o
aumento da idade mínima para quem se aposenta no setor privado, e
nenhuma palavra sobre mudanças para o funcionalismo. Tudo bem, não é
assunto que candidato goste de falar em campanha. Mas os seis anos de
comando no governo Lula deram a Dilma conhecimento, dimensão das
injustiças e diagnóstico mais que suficientes do problema. É
decepcionante começar o mandato sem absolutamente nada a propor.


"Não há plano novo para a Previdência", confessou no seminário o
ministro Garibaldi Alves Filho, escolhido aleatoriamente por ser do
PMDB, e não por virtudes técnicas ou de especialização. E acrescentou
que a única ação determinada pela presidente é o "empenho" do governo
em aprovar o fundo de previdência complementar dos servidores, parado
há quatro anos no Congresso. No papel de senador, Garibaldi votou pelo
fim do fator previdenciário. Como esperar que, no papel de ministro,
ele se empenhe em convencer senadores e deputados a aprovar o fundo?


No caso da Previdência a presidente Dilma desistiu antes de começar.
Não jogou a toalha porque dela nem sequer fez uso. Não deu a menor
importância a um problema que cresce em ritmo progressivo e devora
verbas públicas, prejudicando áreas socialmente mais carentes e
abrangentes, como saúde, educação, segurança e até o programa Minha
Casa, Minha Vida, seu filhote predileto. A aguerrida Dilma, que
enfrentou o PMDB na ocupação de cargos no setor elétrico, nomeou um
técnico para a Infraero, avisou que privatizará aeroportos e indicou
Henrique Meirelles para garantir lisura em obras da Copa e da
Olimpíada, não é a mesma quando dá de costas às injustiças da
Previdência, curvando-se a interesses da classe política.


As injustiças começam pela existência de dois sistemas diferentes: o
que regula a aposentadoria de servidores públicos, que têm garantido o
mesmo benefício recebido na ativa; e o que limita ao teto de R$
3.689,66 o benefício do setor privado do INSS. Essa duplicidade foi
responsável em 2010 pela absurda disparidade: o déficit de R$ 51,2
bilhões do setor público, que beneficia menos de 1 milhão de pessoas,
é 16% maior do que o de R$ 42,8 bilhões do INSS, que contempla 24
milhões de aposentados. É injusto e intolerável que os aposentados
privados ganhem, em média, R$ 715, enquanto o salário médio de
servidores do Legislativo e do Judiciário supere R$ 13 mil. Ou seja,
18 vezes mais.


Em 2010 saíram R$ 94 bilhões dos cofres públicos para cobrir os
déficits dos dois sistemas, beneficiando 25 milhões de pessoas. É um
inegável disparate social, quando comparado com o valor de R$ 70,9
bilhões previsto para atender mais de 100 milhões de brasileiros que
dependem de saúde pública e o de R$ 54 bilhões para garantir educação
a milhões de estudantes pobres distribuídos pela rede pública de
ensino.


Aí está a prioridade em reformar a Previdência. Os números expressam
um quadro alarmante de injustiça social e péssima distribuição do
dinheiro público que, infelizmente, a presidente Dilma não quer
enxergar. E na hierarquia de prioridades desponta a urgência em mudar
a previdência pública, que a cada ano piora perigosamente. Para ter
uma ideia, em 1995 a União gastava R$ 15,1 bilhões com a aposentadoria
de seus funcionários. Em 2009 o valor quase quintuplicou, para R$ 67
bilhões. Embora não resolva o problema, a aprovação do fundo pelo
Congresso ao menos estanca a sangria do crescimento sem limites do
déficit. Mas determinar, vagamente, "empenho" em aprová-lo e entregar
a tarefa a um senador do PMDB, convenhamos, não é o caminho certo.