segunda-feira, março 21, 2011

Fabio Giambiagi O mínimo não é mínimo

O Estado de S. Paulo - 21/03/2011

Há poucas semanas o Congresso Nacional aprovou a regra para a
definição do valor do salário mínimo (SM) nos próximos quatro anos.
Tal regra consiste em aumentar o valor da variável todos os anos, até
2015, de acordo com a inflação, acrescida do crescimento real da
economia defasado de dois anos. Portanto, o aumento real do SM em 2012
será regido pelo crescimento do PIB em 2010; o de 2013, pela expansão
do PIB em 2011; e assim sucessivamente.

Como se mantém a vinculação constitucional que estabelece que o
salário mínimo é o piso dos benefícios previdenciários e
assistenciais, na avaliação dos efeitos da medida há que se considerar
os seguintes elementos:

O peso do piso previdenciário nas despesas com aposentadorias e
pensões do INSS, que era de 33% em 2000, alcançou 42% no ano passado;

os gastos com benefícios assistenciais e previdenciários de 1 salário
mínimo, que somavam 1,4% do PIB em 1997, alcançaram 3,3% do PIB em
2010;

o salário mínimo, que pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) de 1995 correspondia a 23% da renda média da pesquisa, em 2009
(ano da última Pnad disponível) já representava 43% da média, em razão
dos aumentos verificados em uma década e meia;

sempre pela Pnad de 2009, o salário mínimo já era 22% maior que a
renda média dos 50% mais pobres;

a renda média dos 20% mais pobres, na mesma Pnad, no caso das pessoas
ativas com 10 anos ou mais com rendimento, em setembro de 2009, era de
R$ 208 no Brasil, e de R$ 102 no Nordeste; e

no Nordeste, em 2009, quem ganhava SM se situava no quinto décimo da
distribuição de renda, começando pela renda superior - o que significa
que, se dividirmos a sociedade em dois grupos de 50%, quem ganha
salário mínimo estava no "andar de cima".

No clima de briga de torcidas que dominou o debate sobre o tema nos
primeiros dois meses do ano, o País perdeu novamente uma oportunidade
de discutir seriamente quais devem ser as nossas prioridades. Sou da
opinião de que a prioridade fundamental do governante deve ser a
eliminação da miséria absoluta, essa chaga que ainda atormenta a vida
nacional, embora uma década e meia de governos democráticos com
estabilização tenha provocado uma redução importante dos indicadores
de pobreza extrema existentes no lançamento do Plano Real. O problema
é que esse objetivo não guarda nenhuma relação com o SM. E por uma
razão simples de entender: no Brasil, o salário mínimo não é mínimo. O
que se faz com a política de valorização da variável é "puxar" para
cima na escala distributiva quem ganha exatamente 1 salário mínimo -
mas ela não faz praticamente nada para melhorar a vida de quem ganha
abaixo desse valor. O resultado é que a renda média dos 20% mais
pobres era de 73% do SM, em 1995, e na Pnad de 14 anos depois passou a
ser de apenas 45% da variável.

O salário mínimo se está distanciando e dando "tchau" aos mais pobres!
Se no passado tal política esteve identificada com a situação daqueles
que ganhavam menos, hoje já não tem mais essa conotação.

Por outro lado, há mais de 25 milhões de indivíduos que recebem
remunerações de 1 SM, seja no mercado de trabalho formal ou no
informal ou, ainda, como aposentados e pensionistas. Se computarmos a
existência de uma média de pelo menos um membro adicional da família
morando na mesma residência de quem recebe o benefício, teremos no
mínimo 50 milhões de indivíduos que têm alguma vantagem direta em
decorrência dessa política de valorização da variável. Não é preciso
ser um luminar em política para perceber o efeito eleitoral da
questão. Como até agora a sua implementação coincidiu com uma melhora
na distribuição de renda, o cidadão comum julga que "aumentar o SM" é
sinônimo de "melhorar as condições de vida dos mais pobres". Se a
política continuar, porém, seus efeitos distributivos tenderão a ser
mais tênues nos próximos anos.

Embora a explicação técnica do tema demande um espaço de que aqui não
dispomos, o problema é que os efeitos sobre a desigualdade resultante
de elevar o SM são de certo porte quando ele está muito abaixo da
renda média da população, mas tendem a afetar menos o deslocamento da
chamada "curva de Lorenz" - com base na qual se calcula o coeficiente
de Gini, que é o "termômetro" da desigualdade -, uma vez que a
variável se aproxima mais da renda média da população.

Os movimentos sociais defendem a política do SM para melhorar a vida
dos mais pobres. Eles estão errados, porque os setores de pior
rendimento não são afetados pela política. Sei que a maioria das
pessoas que agem assim o faz imbuída de propósitos altruístas. Está na
hora, porém, de a respectiva assessoria técnica orientar melhor a
liderança política desses movimentos. Caso contrário, em 2015
voltaremos a discutir política de valorização do SM para atacar a
miséria. Isso equivale a tomar um transatlântico no Rio para tentar
viajar para Brasília: trata-se, apenas, de uma lógica que não faz
sentido. Da mesma forma que a Brasília se vai por terra, e não de
navio, para atacar a extrema pobreza precisamos de outras políticas, e
não do aumento do salário mínimo.