Valor Econômico - 01/02/2011
Após uma semana de intensa negociação, a presidente Dilma Rousseff decidiu afastar a diretoria de Furnas, estatal objeto de denúncias de corrupção e de uma disputa suicida entre PMDB e PT. O novo comando da empresa será constituído de nomes técnicos, segundo um acordo firmado entre o Palácio do Planalto e o PMDB, no fim de semana, e deve servir de modelo para o preenchimento dos cargos do segundo escalão do governo.
O acordo somente foi possível depois que a cúpula do PMDB, temerosa de um desgaste ainda maior, resolveu entregar a cabeça do deputado Eduardo Cunha, mentor e padrinho político do atual presidente de Furnas, Carlos Nadalutti. Em troca, os pemedebistas exigiram que o PT assumisse sua parcela de responsabilidade nas decisões tomadas pela direção da estatal. Dilma, pelo visto, decidiu atropelar tanto petistas como pemedebistas.
A negociação sobre Furnas, a principal estrela do sistema Eletrobras, com Orçamento na faixa de R$ 1,4 bilhão, envolveu os principais nomes da República. Coisas do aparelhamento do governo pelos partidos responsáveis por sua sustentação política, uma contradição na qual cabem governistas que ao mesmo tempo são oposição. Do lado do Palácio do Planalto atuou o ministro Antonio Palocci (Casa Civil). Pelo PMDB, o vice-presidente Michel Temer, o ministro da área a qual Furnas é vinculada, Edison Lobão (Minas e Energia), e o secretário de Assuntos Estratégicos (SAE), Moreira Franco.
O alvo de todos eram os deputados Henrique Eduardo Alves (RN), líder da bancada do PMDB na Câmara, e Eduardo Cunha, porta-voz dos deputados do Rio de Janeiro. Cunha, enquanto durou a negociação, deixou no ar que dispõe de informações comprometedoras sobre a atuação do PT em Furnas, mas não fez nenhuma acusação específica.
Henrique Alves, líder e o principal suporte de Cunha na bancada, recuou diante do argumento de que a disputa por Furnas apenas reforçava a imagem negativa do PMDB como um partido fisiológico. No final, Cunha rendeu-se ao argumento de que perdera "a guerra da mídia e a briga na política". O cuidado das cúpulas do PMDB e do governo, agora, é com a retaliação de Cunha. Acredita-se que é só uma questão de tempo para que o deputado e seu grupo armem uma emboscada em assunto de interesse do governo na Câmara.
A disputa por Furnas deixou a presidente Dilma sem outra opção a não ser mudar o comando da estatal, principalmente depois que foi divulgada a existência de um dossiê sobre supostos atos de corrupção praticados por sua direção. O dossiê acusa Furnas a pressionar o BNDES a fazer empréstimos a empresas com conceito cadastral ruim e negócios com ações que provocaram prejuízo milionário à estatal.
O negócio das ações é a denúncia com dados mais nítidos. A papelada informa que, em dezembro de 2007, Furnas renunciou à preferência de compra de ações da Oliveira Trust Service, que em janeiro de 2008 seriam arrematadas pela Companhia Energética Serra da Carioca por R$ 7 milhões. Em julho, a estatal compra por R$ 80 milhões o lote de ações que recusara quando custava R$ 7 milhões. A Serra da Carioca seria a mesma empresa em favor da qual Furnas pressionara o BNDES a emprestar recursos para a construção de uma hidrelétrica. E entre os diretores da empresa há pelo menos um antigo aliado de Eduardo Cunha.
PMDB, governo, Furnas e Eduardo Cunha são ingredientes de um enredo antigo. Nomeado relator da emenda constitucional que prorrogaria a cobrança do "imposto do cheque", em 2009, Cunha condicionou a apresentação de seu relatório a nomeações em Furnas. Alegava que se tratava de reivindicação da bancada carioca, a maior do PMDB. À época, Cunha segurou o projeto por 90 dias, até sua reivindicação ser atendida. Noventa dias que fizeram falta ao governo, na reta final das negociações para a votação da CPMF.
Furnas desnuda o esquema de aparelhamento partidário, verdadeira herança maldita do governo Lula, que até agora a presidente Dilma Rousseff não conseguiu desmontar. Desde antes da posse, Dilma afirma que as nomeações, em seu mandato, obedeceriam a um caráter técnico, sem prejuízo da indicação política. O que importava era a qualificação para o cargo e a idoneidade do nome indicado.
Não foi o que ocorreu com a nomeação dos ministros, quando a presidente deixou os partidos praticamente livres para indicar quem bem entendessem. Dilma teve de engolir até a indicação de ministros acusados de pagar despesas de motel com dinheiro público, caso do deputado Pedro Novais (Turismo). Agora, com a abertura da temporada de nomeações do segundo escalão, o caso de Furnas é apenas um exemplo da disputa por cargos entre os partidos aliados. O choque entre PT e PMDB talvez permita a presidente a liberdade que ela gostaria de contar para nomear técnicos qualificados para os cargos.
A ação da cúpula do PMDB deixou Dilma satisfeita, a ponto de o Palácio do Planalto ter avaliado a possibilidade de que Michel Temer, no exercício da Presidência enquanto Dilma viajava, encaminhasse as mudanças à assembleia de acionistas de Furnas. O problema é que Temer foi presidente justamente às vésperas das eleições para as Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados, hora imprópria para o anúncio de uma decisão dessa natureza.
O recuo do PMDB, por outro lado, pode complicar ainda mais a posição da presidente, pois o partido agora se considera também credor do governo. Assim como Eduardo Cunha, os ministros e a cúpula pemedebista têm convicção de que o "Dossiê Furnas" é obra do PT do Rio de Janeiro e se dizem em "estado de alerta" quanto a um eventual avanço petista sobre as posições antes ocupadas pelo PMDB.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras