segunda-feira, março 14, 2011

CARLOS ALBERTO SARDENBERG Tolerância com a inflação

O Estado de S.Paulo - 14/03/11

O Banco Central (BC), conforme a Ata da última reunião do Comitê de
Política Monetária (Copom) divulgada na semana passada, escolheu o
cenário mais otimista. Mas há aqui uma questão. Terá o BC sido
convencido pelos números ou teria antes decidido ser otimista e, a
partir daí, escolhido os números que coubessem?

Uma dúvida razoável. Tem implicações políticas. Ser otimista, no caso,
e bem resumido, significa acreditar que a inflação vai cair sem a
necessidade de uma alta mais forte da taxa básica de juros e sem um
corte de gastos mais expressivo do governo. Segurar juros e ter espaço
para gastar - eis algo que interessa a qualquer governo, muito
especialmente ao de Dilma Rousseff.

O que leva a uma segunda questão: estaria o BC de Alexandre Tombini,
seu presidente, mais alinhado com a política do governo, a ponto de
sacrificar sua autonomia operacional?

O precedente recente do BC é negativo. Em junho do ano passado, quando
a campanha presidencial esquentava, o BC interrompeu abruptamente um
processo de alta de juros que havia sido anunciado e antecipado por
seus próprios documentos.

Na ocasião, o então presidente do BC, Henrique Meirelles, alinhou uma
série de dados para sustentar a tese de que a economia brasileira já
estava em forte desaceleração e que isso logo levaria à queda da
inflação - sem a necessidade de mais altas na taxa básica de juros.

Nasceu daí um bom debate. Poucos, pelo menos em público, levantaram a
hipótese de que a atitude do BC havia sido eleitoral - não elevar a
taxa básica num momento em que o candidato da oposição, José Serra,
tinha no ataque aos juros um dos motes de sua campanha. Dado o
excelente retrospecto de Meirelles, a maioria dos analistas procurou o
debate técnico.

(Abertura: este colunista levantou a hipótese eleitoral em dois
artigos, aqui neste espaço, em 26/7/10 e 2/8/10. Podem ser lidos em
www.sardenberg.com.br, no item Política Econômica.)

Algumas consultorias e departamentos econômicos de bancos se alinharam
inteiramente com o BC. Uma delas escreveu, em 10/8/10: "Qualquer que
seja a decisão do Copom em 1/9/10 - derradeiro aumento da Selic ou
nada -, avaliamos que a chance de a conjuntura vir a demandar outra
rodada de ajuste significativo na política monetária em 2011
claramente não prepondera. Há vários fatores - como os efeitos
defasados do aperto monetário; o efeito contracionista, na margem, da
política fiscal; e o reajuste real baixo que se prevê para o salário
mínimo em 2011 - que sugerem ser reduzido o risco de a atividade
econômica vir a se reaquecer a ponto de colocar em risco o controle da
inflação".

Naquela reunião citada, o Copom aumentou os juros em meio ponto
porcentual, para 10,75% ao ano, e indicou que o ciclo de alta estava
encerrado. Até julho, acreditava-se, inclusive no próprio BC, que a
taxa precisaria subir a 12% para conter o surto inflacionário.

O que aconteceu? A economia brasileira de fato estava desacelerando,
mas um caminhão de outros fatores indicava que o aquecimento do
consumo continuava forte - como a farra de gastos do governo e de
concessão de crédito via bancos públicos - e que a inflação se
espalhava, não sendo "apenas" uma circunstância ocasional dos preços
exagerados de alimentos.

Ou seja, a visão do BC e de seus aliados, depois de junho, estava
equivocada. Era torcida. Estava certa a visão vigente anteriormente,
que alertava para o grave descompasso entre consumo maior e produção
menor. A inflação fechou 2010 na casa - elevada - dos 6%, continua
rodando nesse ritmo e, só pelo embalo, deve subir ainda mais, podendo
ultrapassar o teto da margem de tolerância, que é de 6,5% (a meta
central é de 4,5%).

Em dezembro, esse mesmo BC, ante a inflação escancaradamente em alta e
disseminada, disse que os juros precisariam subir de novo - o que
começou a ser feito na primeira reunião do Copom da era Dilma, em
janeiro último.

Depois de duas altas, a taxa básica está em 11,75%. E a situação se
repete. No mercado, o consenso indica que essa taxa deveria subir para
12,5%, de modo a trazer a inflação para perto da meta só em 2012. E
isso se o governo de fato contiver os seus gastos e reduzir os
repasses a bancos oficiais, especialmente o BNDES. Ou seja, um cenário
com muitas dúvidas.

Pois o que diz agora o BC? Que, de fato, a inflação vai ficar alta na
maior parte deste ano, na casa dos 6%, mas que começa a cair no último
trimestre, segue caindo em 2012, chegando na meta (os 4,5%,
anualizados) apenas no finalzinho desse próximo ano. Isso sem precisar
do aperto maior nos juros e confiando que o corte de gastos já
anunciado e o ajuste comedido do salário mínimo são suficientes para
barrar a "farra fiscal".

Não é mesmo uma argumentação parecida com a de julho passado? É bem
otimista por isso. Acredita que o melhor vai acontecer assim, na
manha. Mas hoje é maior a possibilidade de que o governo não cumpra a
meta de corte de gastos e que continue estimulando os empréstimos dos
bancos públicos. E já está contratado um aumento de 14% para o mínimo
em janeiro do ano que vem.

Tudo considerado, o BC está nos dizendo que podemos conviver com dois
anos seguidos de inflação a 6% (ou mais) e isso numa economia ainda
com muita indexação formal e informal.

Está prevalecendo a tese Mantega: um pouco de inflação não faz mal;
vamos crescer, que tudo se ajeita no final. Como em julho do ano
passado. E se você é assalariado, anote: qualquer reajuste menor que
6% é perda de dinheiro, inclusive na Tabela do Imposto de Renda.