O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/03/11
Quando trabalhei no Fundo Monetário Internacional nos anos 90, um dos membros da equipe administrativa tinha o hábito de carregar no bolso do casaco uma lista de países que mais provavelmente experimentariam problemas financeiros graves. Isso não o capacitou, nem ao Fundo, aliás, para prever a crise financeira asiática. Mas, mesmo assim, a prática era uma forma útil de autodisciplina. Era uma maneira de meu colega se lembrar de ficar permanentemente atento aos riscos.
Estará despontando uma nova crise financeira? Se é verdade, quando ela virá? O que poderá acioná-la? E quais países estão sob maior risco? Os especuladores financeiros inescrupulosos instintivamente olham para as condições específicas dos países quando tentam responder a perguntas como essas.
O risco de crise é maior, eles observam, em países onde grandes aportes de capital alimentam o crescimento do crédito e originam bolhas nos mercados acionários. Ele é maior em países nos quais as taxas de câmbio se tornam sobrevalorizadas, augurando problemas de competitividade e desaceleração do crescimento econômico.
Mas a história sugere também que o timing das crises depende de mudanças nas taxas de juros nos centros financeiros internacionais.
Assim será provavelmente desta vez. Mais cedo ou mais tarde, as autoridades permitirão que as taxas de juros nos Estados Unidos, Europa e Japão subam de seus níveis atuais excepcionalmente baixos. E aumentos nas taxas de juros nos Estados Unidos, Europa e Japão dificultarão para os bancos em mercados emergentes expandirem seus balanços.
Taxas mais altas nos principais centros financeiros internacionais tornarão mais difícil para esses bancos captarem recursos no exterior para financiar o aumento dos empréstimos. Taxas de juros mais altas nesses centros significarão fluxos muito menores de investimentos estrangeiros para mercados emergentes de ações e bônus.
Então o recente sinal do Banco Central Europeu (BCE) de que ele está se preparando para aumentar as taxas de juros será um indício de problemas iminentes? Minha resposta é não. O elefante na sala não é o BCE, mas o Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O dólar, não o euro, é a moeda financiadora dos bancos internacionalmente ativos. O gatilho da próxima crise será, portanto, a decisão do Fed de elevar as taxas.
Nesse ponto, os fluxos de capitais para mercados emergentes se inverterão. Os bancos nos países previamente no lado recebedor desses fluxos terão de contrair seus balanços. Haverá um aperto de crédito. Haverá problemas de liquidez, e talvez ainda piores, para instituições financeiras. Se os mercados emergentes estiverem despreparados, poderá haver uma crise financeira.
A boa nova, nessas circunstâncias, é que o Fed provavelmente não vai endurecer antes de 2012. Com o desemprego ainda em 9% nos Estados Unidos, não há nenhum sinal de aumentos nos preços dos alimentos e dos combustíveis resultarem em aumentos salariais. E, na falta de custos mais altos da mão de obra, a espiral preço-salário não está no horizonte.
Mas, se a economia americana continuar melhorando e o desemprego cair, a inflação poderá se tornar um problema para o Fed em 2012. Em outras palavras, os mercados emergentes talvez tenham mais um ano para se preparar.
E como andam esses preparativos? As autoridades financeiras do Brasil mostram sinais de ter instintos corretos e estão começando a dar passos na direção certa. O Banco Central (BC) brasileiro endureceu os requisitos de reservas e capital para impedir que os bancos continuem expandindo seus balanços. Ele espera que isso impeça esses bancos de terem de contrair violentamente o crédito quando vier o aumento das taxas de juro americanas. Corretamente, o BC brasileiro também elevou a taxa básica de juros (Selic) para impedir que as taxas de juros reais caiam com o aquecimento da inflação - taxas de juro excessivamente baixas são uma receita para empréstimos imprudentes.
É tranquilizador que o crescimento do crédito tenha se desacelerado significativamente em janeiro em consequência dessas medidas. Mas são igualmente preocupantes as projeções de alguns analistas de que está havendo um novo crescimento do crédito, de até 20% em 2011. Ninguém questionaria que o Brasil precisa desenvolver seus mercados de crédito. Mas assim, de imediato? Se essas projeções de 20% de crescimento do crédito mostrarem sinais de se confirmar, o BC deveria fazer mais.
É preocupante também a força do real, que cria problemas para os exportadores. A melhor maneira de tratar desse assunto é endurecer a política fiscal e, com isso, reduzir a pressão da demanda. Menos demanda doméstica significará menos gastos em bens locais e menos pressão para a elevação do real. Aqui, o novo governo de Dilma Rousseff enviou os sinais certos. Ele anunciou planos para reduzir o déficit orçamentário cortando gastos com defesa, educação, subsídios à habitação e à agricultura, e repasses ao BNDES. Mas, apesar de o Banco Central já ter agido, as autoridades fiscais ainda não o fizeram.
Outros grandes mercados emergentes estão tomando medidas preventivas também. A China freou os empréstimos bancários. O país está tentando conter o boom imobiliário. Além de endurecer os padrões de empréstimos e tomar outras medidas para desestimular a especulação imobiliária, o governo chinês prometeu recentemente construir 36 milhões de moradias populares nos próximos cinco anos, algo que ajudaria a conter os preços da habitação.
Mas a China também tem o problema adicional de que, diferentemente do Brasil, ela importa cerca de 40% de seu consumo de petróleo. Os brasileiros devem agradecer, portanto, à dádiva das áreas petrolíferas Tupi e Carioca, em outras palavras, e aos esforços de governos brasileiros anteriores para reduzir a dependência do país de energia importada.
A China, ao contrário, ainda depende pesadamente de energia importada.
Isso significa que, diferentemente do Brasil, ela corre o risco de uma tempestade perfeita - desaceleração do crescimento com forte alta dos preços do petróleo por causa da agitação no Oriente Médio, e endurecimento do Fed, tudo ao mesmo tempo.
A história recente nos lembra de que não devemos subestimar a capacidade da China de manter um forte crescimento, mas existe também um cenário em que o crescimento do país se desacelera rapidamente, criando problemas para ele e também, possivelmente, para seus parceiros comerciais.
Mas o país mais ameaçado do Bric não é China ou o Brasil, mas a Índia. Diferentemente do Banco do Povo da China e do Banco Central brasileiro, o Banco Central da Índia está aquém das necessidades. As taxas de juros na Índia estão mais baixas que a inflação. Um déficit orçamentário muito grande, da ordem de 10% do Produto Interno Bruto, agrava o problema do excesso de demanda. A dependência da população pobre da Índia de comida e combustível significa que o governo ficará sob pressão para subsidiar o consumo desses produtos essenciais, dificultando ainda mais o progresso na consolidação fiscal. E a Índia importa 70% de suas necessidades de petróleo, o que a expõe ainda mais que a China ao risco Oriente Médio.
Paul Samuelson, o economista laureado com o Prêmio Nobel e pai da economia financeira, disse certa vez que o mercado acionário havia previsto com sucesso nove das últimas cinco recessões. Os especuladores financeiros inescrupulosos também previram nove das últimas cinco crises financeiras. Mas justo porque erramos antes não torna menos importante repetirmos essas advertências agora. Devemos carregar uma lista das vítimas potenciais em nossos bolsos e atualizá-la regularmente. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
PROFESSOR DE ECONOMIA E CIÊNCIAS POLÍTICAS NA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, EM BERKELEY