O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/03/11
Após a divulgação do crescimento do PIB de 7,5%, multiplicaram-se análises de que esse nível é insustentável, levando à perda de controle da inflação, suplantando um hipotético produto potencial (máximo crescimento sem levar à inflação) que estaria entre 4,0% e 4,5%. É interessante notar que, nos cinco anos anteriores à crise, o crescimento médio anual foi de 4,8% e no biênio 2009/2010 foi de 3,4%, abaixo desse denominado produto potencial.
A retração de 0,6% e o crescimento de 7,5% em 2010 são pontos fora da tendência natural que vinha ocorrendo. No entanto, essas análises se concentraram na afirmação de que é insustentável o crescimento de 7,5%. O problema não é esse, pois o governo prevê crescimento neste e nos próximos anos no entorno de 5%, compatível com o que vinha ocorrendo desde 2004.
Mas isso não foi considerado nessas análises, que descarregaram suas críticas no vilão deste "desajuste", que foi o excesso da demanda puxado pelo consumo das famílias e gastos do governo devido ao ano eleitoral. Essa análise é equivocada, pois em 2010 o consumo das famílias cresceu 7% e o do governo, de 3,3%, foi o que menos cresceu. O que cresceu foram os investimentos, com 21,8%, que deve ser comemorado por dar sustentação à elevação da capacidade de produção e produtividade. Apesar disso, essas análises defendem, para sustar a inflação, um forte ajuste fiscal no governo federal e elevação da Selic, que segundo o mercado financeiro deveria atingir 12,50%.
Caso a Selic vá a 12,50% como deseja o mercado financeiro, a taxa real de juros, excluída a inflação, iria para 6,8%, o que distanciaria ainda mais o Brasil do segundo lugar com a maior taxa de juros, a Austrália, com 1,9%, e da média dos principais países emergentes, que é negativa em 0,5%.
Essa anomalia chama a atenção. Há algo de errado nessa "solução" de tentar combater a inflação com uma taxa de juros maior em relação a qualquer país com inflação semelhante. Esse erro é maior quando se considera que a maior parte da inflação é devida à elevação dos preços da alimentação e das commodities em todo o mundo.
Essa alta internacional é, no nosso caso, agravada pela sazonalidade da inflação no primeiro quadrimestre, por causa dos reajustes dos preços na educação, tarifas de ônibus, excesso de chuvas, além do IPTU e IPVA.
Então, porque defendem combater a inflação com uma taxa de juros anormal? Em primeiro lugar, pelas expectativas criadas pelo mercado financeiro, que fornece ao Banco Central (BC) suas previsões de inflação e da Selic. Há suspeição nessas informações, pois o mercado financeiro lucra com a elevação da Selic. Assim, a teoria das expectativas só funciona para atender os interesses do mercado financeiro.
Em segundo lugar, o forte crescimento econômico, acima do potencial, induzido pelo crescimento da massa salarial e baixo nível de desemprego, faz elevar os preços dos serviços. Essa inflação de serviços tem sido maior que a dos preços comercializáveis (sujeitos à concorrência externa) desde 2004. Assim, com maior crescimento econômico, deveria ocorrer o distanciamento entre a inflação dos serviços em relação aos comercializáveis. Na realidade deu-se o contrário. Em termos médios anuais, entre 2004 e 2010, os serviços tiveram inflação 46% maior do que os comercializáveis, mas essa diferença foi de 14% nos anos em que o PIB cresceu acima de 5% (2004, 2007, 2008 e 2010), com média de 6,1%, e a diferença foi de 149% quando o PIB cresceu abaixo de 4% (2005, 2006 e 2009), com média de 2,1%. Em 2010, com crescimento de 7,5% essa diferença foi de apenas 6%.
Outra questão que merece aprofundamento é a reação dos consumidores face ao aumento nos preços dos serviços. Será que aceitam passivamente essas elevações? Não creio. Podem explorar alternativas oferecidas pelo mercado e/ou negociar os preços. Nesses casos, será que os índices que medem a inflação consideram isso?
Quanto aos produtos comercializáveis, os consumidores reagem às elevações de preços mudando a marca e/ou a quantidade que compram. Sobre isso, o Estado trouxe interessante reportagem (6/3 - B6): "Contra inflação, cliente troca de marca". Mostra que a classe C substitui supérfluos como refrigerante e iogurte, e a classe A busca alternativa nos básicos, como sabão em pó, detergente e desinfetante, entre outros. Será que os índices que medem a inflação captam isso? Se não, a inflação medida pode estar superestimada.
Outra questão relativa a índices está nos IGPs, que atribuem 60% do peso em seus cálculos aos preços no atacado e, para isso, usam as listas de preços dos fornecedores, sem considerar os descontos na comercialização. Isso superavalia esses índices.
Fora essas considerações, a questão externa é a que me parece mais importante no impacto inflacionário. Os conflitos no norte da África e Oriente Médio não eram previstos e seus desdobramentos podem trazer impactos na inflação. Caso atinjam a Arábia Saudita, maior exportadora de petróleo, seu preço já em ascensão, dispara, elevando os gastos com energia para os consumidores e reduzindo a demanda por commodities, abaixando seus preços.
Cada país terá um impacto diferente na inflação. Se muito dependente de petróleo, sofrerá mais e seu crescimento será afetado. É o caso dos países desenvolvidos. Caso contrário, será beneficiado em sua inflação e, se exportador de commodities, como no nosso caso, será prejudicado na sua balança comercial.
Diante da imprevisibilidade externa é melhor aproveitar o que temos de bom, que é o potencial de consumo devido à má distribuição de renda. Estimulá-lo amplia o consumo, produção, investimento e emprego. Para isso, a diretriz principal deste governo, que é o combate à miséria, vai estimular a base da pirâmide social, como feito agora com o fortalecimento do Bolsa Família, a fixação legislativa da regra para o salário mínimo acompanhando o crescimento da economia até 2015 e a correção da tabela do imposto de renda, que beneficia a classe média.
Como não interessa a ascensão da inflação, o melhor é controlar a principal perna do consumo - oferta de crédito -, que atua diretamente no maior componente da demanda, que é o consumo das famílias, responsável por 61% dela. Caso persista a alta inflacionária, deve-se endurecer as medidas macroprudenciais. Embora seja indesejável a inflação, por atingir especialmente a população de menor renda, ela reduz o poder de compra e isso diminui a demanda e a inflação.
O esforço fiscal é importante em todo setor público, pois é dinheiro do contribuinte que tem de ser aplicado de forma eficaz, eficiente e efetiva para atender sua obrigação constitucional. A Selic é parte importante e essencial desse esforço fiscal. Nesse sentido não cabem ilusões: o corte de R$ 50 bilhões nas despesas do governo federal representa inexpressivos 1,2% (!) da demanda, enquanto os juros em 2010 representaram 5,3% dela.
Outra questão que merece maior reflexão é a defesa da redução das despesas do governo federal para não ter de elevar ainda mais a Selic, o que é uma contradição. Elevar a Selic tem impacto fiscal relevante, que pode suplantar o esforço fiscal, pois ela atinge os custos da dívida interna e do carregamento das reservas internacionais.
A Selic, nos níveis em que se encontra, é prejudicial para a saúde da economia e tem de ser imediatamente reduzida para permitir um crescimento saudável e sustentável. Enquanto isso não ocorrer, para não agravar ainda mais a questão cambial, o governo deve elevar o IOF e estabelecer a quarentena para os investimentos de caráter especulativo, o que é o maior temor dos especuladores externos. O crescimento econômico e o combate à inflação podem se complementar desde que adotadas estratégias adequadas. Parece que o BC, em sua última ata do Copom, mudou de estratégia e vai caminhar nessa direção pelo uso mais intensivo de medidas macroprudenciais, no lugar de elevação da Selic. Isso é o que interessa a todos.
MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR