FOLHA DE SÃO PAULO - 20/02/11
O GOVERNO aumentou o capital da CEF e o do BNDES. Esses bancos públicos terão assim mais dinheiro para financiar investimentos. Em breve, o governo deve ainda emprestar mais dinheiro para o BNDES, algo em torno de R$ 50 bilhões. Nesse caso, o governo vai fazer dívida, tomar dinheiro no mercado a uma taxa de uns 12% (a Selic) e vai emprestá-lo a uns 8%. Parece bom. Para quem?
Esse mesmo governo prometeu que não vai gastar R$ 50 bilhões do Orçamento autorizado pelo Congresso. Os motivos básicos do corte são: 1) poupar um pouco do dinheiro dos impostos a fim de evitar o aumento da dívida pública (ou reduzi-la um tico mais); 2) reduzir o consumo total na economia, que anda excessivo e ajuda a causar inflação.
Contendo gastos e, pois, mais pressão sobre a inflação, o governo pretende evitar que o Banco Central eleve ainda muito mais a taxa de juros "básica" da economia (a Selic).
Mas o empréstimo do governo ao BNDES vai elevar a dívida pública e vai estimular a demanda e, de algum modo, a inflação.
Economistas mais liberais insistem no fato de que o BNDES emprestar dinheiro a juro baixo, subsidiado pelo governo, leva o BC a elevar mais os juros "básicos" -como a economia é estimulada por um lado, via juro do BNDES, o BC precisa apertar a corda no outro lado.
Não se provou tal coisa na ponta do lápis, mas é difícil contestar o argumento. Tanto que economistas não liberais nem tentam bater de frente com tal ideia. Dizem porém que, no médio e longo prazo, o investimento bancado pelo BNDES cria capacidade produtiva na economia, mais oferta, o que permite aumentos de consumo sem inflação.
Em suma, "tudo mais constante", a alta de juros do BC reprime algum consumo e induz empresas a conter investimentos, pois a economia vai crescer menos e o rendimento financeiro fica mais atraente que o retorno de um novo empreendimento. O pessoal com acesso ao BNDES continua a investir, a juro subsidiado.
O emprego cai um pouco ou cresce menos. A inflação mais alta por mais tempo corrói parte da renda do assalariado comum. Quem empresta dinheiro ao governo (classe média alta e ricos, empresas capitalizadas, instituições financeiras) leva mais dinheiro para casa. Há transferências de renda aí: do Tesouro (nós todos) para empresas, via BNDES, e para cidadãos e empresas capitalizados, via juros mais altos.
Note-se que é difícil o governo cortar R$ 50 bilhões sem recorrer justamente a um talho nos investimentos. Mas empresas na parceria público-privada com o BNDES terão dinheiro. Sim, não emprestar dinheiro extra ao BNDES provocaria um tranco talvez nocivo na economia. Mas os juros do BC subiriam menos.
Durante anos ainda o governo não terá muito mais como cortar gasto. Há muita despesa obrigatória; Lula contratou gastos permanentes, como aumento de salários; Dilma acaba de contratar outros mais, com a política de reajuste real do salário mínimo até 2014. A dívida e o deficit cairão, pois, devagar, assim como a taxa de juros; o investimento público crescerá devagar.
No conjunto, trata-se de uma política econômica incoerente, de morde aqui, assopra ali, café com leite, meio empurrada com a barriga, feita para amoldar muito interesse díspar, mas não interesses mais gerais. Não é coerente nem é neutra.